Já este ano, diz António Farinha, da Comissão da Pró-Associação de Residentes e Proprietários do Pisão, os moradores e proprietários de casas e terrenos da aldeia foram chamados a participar num inquérito sobre o futuro da nova povoação, o segundo realizado. O primeiro aconteceu em 2021 e pretendia “perceber a reação das pessoas: havendo uma barragem, o que é que elas gostariam que acontecesse”. Designadamente, “onde gostariam de ir morar e o que gostariam que a nova aldeia tivesse”, também em termos de equi- pamentos públicos urbanos. Uma grande maioria manifestou “o desejo de se mudar para uma nova aldeia”, facto que ficou referido “em termos da avaliação de impacto ambiental”.
O recente inquérito “foi mais específico”, reiterou as perguntas do anterior, mas acrescentou uma nova, para as pessoas manifestarem a sua vontade, por exemplo, de trocar uma casa e um quintal por uma casa maior na nova aldeia, a construir ali perto, junto a Monte Velho.
Cada morador e proprietário já foi entretanto contactado pela Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA), dona da obra, para “confirmar os dados do património” que será expropriado. Falta chegar uma segunda carta com a avaliação feita a esses imóveis. Nessa altura, revela António Farinha, as pessoas terão de tomar a decisão final, ficando então a saber-se quantas casas serão construídas na nova aldeia, quantas pessoas preferem ser indemnizadas e quantas optam por ir viver para o Crato.
João Meira, de 67 anos, recebeu a carta para confirmar “as delimitações” do seu património há cerca de um mês, mas ainda não tem a avaliação do que lhe irá ser expropriado. Escolheu mudar-se para a nova aldeia, mas gostaria de saber como vão ser distribuídas as casas no terreno, e sobre isso a informação é pouca.
Vive na aldeia de Pisão desde os quatro anos, e não consegue avaliar o que sente por ser obrigado a partir. Por agora, diz-se “mais preocupado” por não poder “fazer algumas obras” urgentes, nomeadamente “arranjar as cercas” onde guarda as ovelhas, tendo dúvidas sobre se terá condições para manter os animais. Apesar de tudo, diz-se a favor da barragem, considerando ser “essencial devido à falta de água” e trazer inúmeros benefícios “para o turismo da região” de Portalegre.
“Vai ser difícil sair da aldeia e o ambiente vai sofrer até ser reposta a nova florestação, porque vão arrancar muitos milhares de árvores, mas se a gente olhar para a desgraça dos fogos que devastam áreas enormes em poucas horas, tudo é subjetivo. A Barragem vai trazer incremento à agricultura, muitas vantagens, mas como tudo tem os seus contras”, assinala.
Eduardo Felizardo vê a construção do reservatório hídrico “como um melhoramento para o concelho e para o distrito”, representando uma enorme “mais-valia”. Não só pelo abastecimento de água, também “pela importância da central” elétrica que o projeto comporta. Mas não deixa de sentir “alguma tristeza por ter de deixar a aldeia” onde vive desde que nasceu, há 39 anos.
“Vaimesmo acontecer, ao fim de décadas e décadas de promessas”, constata, lembrando que a popu- lação lidava com a ideia da barragem quase como se fosse uma brincadeira: “À medida que isto foi avançando, consciencializei-me de que agora seria mesmo para levar até ao fim”.
Casado e com duas filhas nascidas na aldeia, de 10 e 16 anos, que estudam no Crato e em Portalegre, Eduardo Felizardo conta que a primeira opção da família será mudar-se para a sede de concelho, ainda que a “decisão definitiva” esteja pendente da “avaliação da casa” e de comparar as condições que poderá ter no Crato com as que a nova aldeia irá oferecer. “Quando se muda é para melhor e eu não vejo a mudança para a nova aldeia como uma mudança para melhor. Pelo menos para já”, desabafa.
O Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato envolve um investimento total superior a 200 milhões de euros, sendo mais de 141 milhões financiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O presidente da CIMAA, Hugo Hilário, diz que o objetivo é começar as obras ainda em 2024. O autarca prevê que aconstrução da nova aldeia aconteça em simultâneo com o avanço da barragem, já que todo o processo relacionado com “as expropriações e a auscultação feita aos residentes, no âmbito da “formalização e definição da nova aldeia”, está quase concluído.
Segundo Hugo Hilário, trata-se de um projeto “diferenciador para a região”, tanto no abastecimento público de água como na produção de energia. O autarca destaca ainda o potencial da futura albufeira em termos agrícolas, pois irá permitir aos agricultores investirem em novas culturas, principalmente no que ao regadio diz respeito. A que acresce “o potencial turístico com a consequente criação de novas oportunidades de negócio”.