“O barranquenho era uma questão de oralidade e, portanto, o objetivo foi sempre conseguir encontrar uma convenção escrita aprovada por todos”, diz o presidente da Câmara de Barrancos, Leonel Rodrigues, segundo o qual “não poderia haver gente a escrever diferente”. Nesse caso, sublinha, “nunca” se chegaria “a uma situação em que houvesse uniformidade”.
O dicionário, a convenção e a gramática, trabalhados “há décadas”, foram apresentados em formato de documentos e ainda sem terem sido editados no último Congresso Internacional sobre o barranquenho, realizado em julho.
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De acordo com Leonel Rodrigues, estes “três documentos estruturantes para a língua barranquenha” vêm consolidar o dialeto, salvaguardando a identidade da vila “de que todos os barranquenhos se orgulham”.
A documentação foi elaborada no âmbito do Programa de Preservação e Valorização do Património Cultural Barranquenho, numa parceria entre o município e a Universidade de Évora (UÉ), nomeadamente com os professores Maria Filomena Gonçalves e Victor Correia e a filóloga espanhola María Victoria Navas.
O dicionário conta com “mais de mil palavras” e foi concebido “como obra aberta”, ou seja, permite a introdução de novo vocabulário “em uso” ou “que faz parte da memória de Barrancos”. Este documento é ainda acompanhado por uma aplicação móvel que pode ser descarregada e que permite a sua consulta digital.
A convenção ortográfica foi construída através de critérios científicos, elaborados por especialistas em linguística e em sistemas de escrita, que, “ao contrário do dicionário, não são compatíveis com alterações avulsas decorrentes do que acham os falantes”, acrescenta Leonel Rodrigues.
Numa nota publicada nas redes sociais, a autarquia admitiu que “a escrita, tal como acontece em qualquer língua, é sempre uma representação imperfeita da oralidade”, mas “não regista alterações continuamente”, uma vez que pode “criar um caos gráfico e enorme insegurança entre os escreventes”.
Desta forma, “uma vez convencionada, por mais dificuldades que apresente, deve permanecer durante um tempo suficientemente longo para se ‘entranhar’ no cérebro dos escreventes a imagem gráfica das palavras”.
Segundo o autarca, “esta é a primeira [convenção] e, como se sabe, as convenções podem ser desenvolvidas ou aperfeiçoadas e, possivelmente, haverá uma segunda, mas neste momento é a que temos”.
Quanto à gramática básica, existe a possibilidade de serem “introduzidas revisões”, como “a inclusão de exercícios didáticos”, que facilitarão “uma melhor aprendizagem” do dialeto.
Para Leonel Rodrigues, este “primeiro passo” dado em direção à padronização escrita de um dialeto apenas oral é uma forma de preservação de “um bem cultural de interesse local, regional e nacional”, assim como um marco “gigante” para o desenvolvimento do próprio barranquenho.
“É um passo muito importante. A partir de hoje, podemos tentar fazer legendagem ou atividades com o barranquenho, porque ele já é possível de ser escrito. Ainda não conseguimos escrever tudo, mas pelo menos já transcrevemos determinadas coisas de forma justa”, afirma.
O autarca diz acreditar que a documentação permitirá também atrair um nicho específico de turismo, nomeadamente pessoas que procuram aprender a língua “quer a título de curiosidade, quer a título de investigação”.
Recorde-se que o Parlamento aprovou, a 26 de novembro de 2021, um diploma, resultante de projetos de lei apresentados pelo PS e PCP, que reconhece o direito a cultivar e a promover o barranquenho e estabelece medidas para o proteger, promover e valorizar. E que em 19 de dezembro do mesmo ano, a Presidência da República divulgou que o Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, tinha promulgado o diploma, o qual passou a lei.
Fotografia | Cabrita Nascimento/Arquivo