Geração Recheio, espécie exótica que nasceu entre os anos 60 e 70, quando rebeldia era deixar crescer o cabelo e citar o Che Guevara entre goles de vinho rasca. Jurávamos que íamos mudar o mundo e mudámos, sim senhor! Trocámos as barricadas por suplementos de colagénio e sessões de fisioterapia.
Estávamos convencidos de que, aos 50 e tal, estaríamos a beber caipirinhas numa praia de Búzios, rindo da vida como figurantes de um anúncio de reforma dourada, mas nada disso, o filme é outro. Estamos é no meio da verdadeira guerra dos tronos doméstica, esmagados entre os Adolescentes Geriátricos e os Aborrecentes. Uma espécie de fiambre humano nesta tosta quente chamada vida.
De um lado, os nossos adoráveis Adolescentes Geriátricos, outrora pilares da família, são hoje especialistas em esquecer onde deixaram os óculos (que estão na cara) e em teorias da conspiração envolvendo a sopa “que claramente estava fria”.
Somos nós a ter de lhes lembrar para tomarem a medicação, para não andarem a escalar móveis (sim, acontece!) e a lembrar, pela milésima vez, a data da consulta do médico de família. São adolescentes tardios com artrite, viciados em novelas turcas e convencidos de que o smartphone é uma invenção do capeta.
Explicar que a televisão não funciona por magia negra e que o comando da televisão, esse objeto maléfico, “não muda de canal sozinho” ou que a internet não é um universo paralelo onde os netos passam a vida, é quase um desporto diário. E o que dizer da autonomia? Perdeu-se algures entre a última queda no tapete da sala e a oitava chamada para perguntar a senha do wi-fi.
E se pensam que a vida se resume a tratar dos nossos precursores, enganam-se redondamente. No outro extremo da nossa tosta existencial, temos os Aborrecentes, também conhecidos como filhos. Eles vivem numa bolha de superioridade digital, onde tudo o que fazemos é embaraçoso e digno de um cancelamento público. A nossa roupa é cringe, acreditam que a nossa playlist é uma forma de tortura e as nossas tentativas de comunicação são recebidas com revirar de olhos e emojis passivo-agressivos.
Comunicar com eles é como tentar decifrar hieróglifos com um dicionário de emojis. Reclamam, exigem, suspiram… e nós, os gloriosos ex-revolucionários, ficamos ali no meio, a tentar marcar consulta para o reumatismo enquanto damos boleia para o shopping (porque andar de autocarro é uma agressão aos seus princípios éticos). Crescemos a ouvir que éramos a “ponte entre gerações”, e cumprimos à risca. Pena que ninguém nos disse que íamos ser uma ponte com buracos, sem manutenção, e onde circula trânsito pesado nos dois sentidos. Parabéns, Geração Recheio, vocês são os verdadeiros prestidigitadores da parentalidade contemporânea.
Por isso, na próxima vez que virem um indivíduo da Geração Recheio com olheiras profundas e um sorriso ligeiramente forçado, saibam que estão perante um herói. Um herói que, provavelmente, acabou de explicar ao pai como usar o comando da televisão e, simultaneamente, de acenar para o filho que está a filmar um TikTok na sala de estar. Somos os equilibristas da vida, os malabaristas do quotidiano, os que, no final do dia, suspiram de alívio por mais uma batalha ganha.