Bruno Horta Soares: “Internet no monte: necessidade ou modernice?”

Bruno Horta Soares (texto). Imagem gerada por inteligência artificial

O Alentejo sempre soube viver sem pressa. De manhã, os passos são leves sobre a terra fria. Ao meio-dia, o sol manda tudo parar. E à noite os grilos tomam conta do tempo e caçam-se gambuzinos. Ali, onde a paisagem se estende sem margens, o silêncio sempre se fez ouvir sem precisar de ser anunciado, e a vida sempre soube ser medida ao ritmo das estações. Mas um dia, chegou a internet e com ela o falatório de que o mundo inteiro podia caber dentro do monte.

Diz-se que a tecnologia nos afasta, que os telemóveis roubaram as conversas à sombra da azinheira, que encheram de pressa os lugares onde antes só existia tempo. Mas o problema nunca foi a tecnologia. Muito antes da internet, já havia distrações. Já havia quem lesse o jornal no Café Central enquanto os outros falavam da bola. Já havia quem olhasse para o infinito sem nunca verdadeiramente o ver. O desapego sempre foi humano. A internet apenas o tornou mais visível.

Há quem ache que a internet no monte é um exagero, um despropósito, uma espécie de ruído numa terra que sempre viveu sem modernices. Mas a internet não é o bicho mau, nem a santinha milagreira. E cada um escolhe se o percorre para se aproximar ou para se afastar.

Há quem ligue os dados móveis para fugir dali, para estar na vila, na cidade, em qualquer parte do mundo menos onde está. Mas há também quem o use para trazer o mundo até ali. Quem mostre a paisagem a um neto que nunca viu um sobreiro, quem ligue a um amigo distante para lhe mostrar o sossego que ali mora. A internet no monte tanto pode ser uma fuga como uma ponte. E, no fundo, a escolha nunca foi dela.

Talvez a grande confusão venha de acreditarmos que todos os ecrãs são iguais. Que um telemóvel é só um telemóvel. Mas há uma diferença entre “olhar para o telemóvel” e “olhar através do telemóvel”. Há ecrãs que nos prendem, que nos fixam os olhos no vidro e nos fazem esquecer onde estamos. Esses apagam a mesa farta, o tom dourado da tarde, o cheiro da terra húmida. E há ecrãs que nos abrem, que nos deixam ver mais longe, que nos ligam ao que está perto e ao que está longe, sem que para isso precisemos de nos afastar.

Ensinar uma criança a usar tecnologia é fácil, por vezes até conveniente. Ensiná-la a fazer companhia ou a saber estar, só, nem tanto. Diz-se que os telemóveis vieram substituir o pião, a apanhada, o jogo das escondidas, mas talvez o que esteja a ser realmente substituído seja a companhia.

A tecnologia pode projetar um rosto num ecrã, mas não ensina a olhar nos olhos. Pode fazer chamadas, mas não garante que haja algo para dizer. Talvez por isso, a internet no monte nunca vá substituir a presença nem a ausência. Há quem nunca venha a saber o que isso é, porque a solidão não nasce da falta de rede, mas da falta de quem nos chame por uma alcunha.

Lá na cidade, rodeados de gente, há dias em que nunca estivemos tão sós. No monte, sem vivalma por perto, podemos ter o mundo inteiro na palma da mão. A internet não impõe distâncias nem abeira, apenas nos dá caminhos: desligar tudo e abraçar o silêncio ou estender a mão e trazer para perto quem está longe.

Entre a solidão imposta e a companhia escolhida, há um abismo tão grande quanto o horizonte que se estende além do monte. Ter sempre alguém por perto não é o mesmo que poder escolher estar acompanhado. Anda ali num fio de uma navalha a quietude do campo e o brilho do ecrã, entre o isolamento e a pertença, entre estar e realmente ficar. A tecnologia não impõe solidão nem companhia, apenas abre portas. E a verdadeira solidão nunca veio da internet, mas da ausência de escolha.

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BRUNO HORTA SOARES
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