Cabeção criou Confraria e exige certificação dos vinhos de talha

Cabeção está fora das sub-regiões do Alentejo e por isso não pode certificar o seu Vinho de Talha. Mas produz vinho de grande qualidade e com grande autenticidade e ligação ao território. Manuel Baiôa (texto)

No passado, o vinho de talha estava espalhado por praticamente todas as localidades do Alentejo, mas ficou reduzido no final do século XX a algumas pequenas bolsas, onde não chegou a modernização da elaboração do vinho, que tudo padronizou.

Vila de Frades, Amareleja e Vila Alva são algumas das localidades onde se preservou a elaboração do vinho de talha, e onde houve um ressurgimento deste tipo de vinho nos últimos anos, devido ao orgulho que as suas gentes sentem ao manter os ensinamentos dos seus antepassados.

A vila de Cabeção é também um exemplo desta procura da tradição e da autenticidade do vinho de talha, embora com algumas diferenças face a outras localidades. A cultura da vinha terá chegado a Cabeção durante o período romano. Mas nos séculos seguintes muitas transformações foram materializadas na vinha e na elaboração dos vinhos pelos novos povoadores e pelos monges que se foram estabelecendo no território, onde assistimos a um crescimento assinalável da área da vinha nos séculos XVII e XVIII.

A localização geográfica e os solos de Cabeção também condicionaram a vinha que se foi instalando nos locais mais adequados, onde o lençol freático permitia ter água para a sua sobrevivência. O clima da região é quente e seco, mas a proximidade da Ribeira da Raia, os terrenos arenitos e os 300 hectares de pinhal ajudam a que a vinha tenha condições para prosperar.

As castas desta região também são ligeira- mente diferentes das outras vilas do vinho de talha. A proximidade à região de Setúbal e do Tejo leva a que as castas rainhas sejam o Fernão Pires, no branco, e o Castelão e o Aragonez no tinto. No entanto, as outras castas tradicionais do Alentejo também marcam presença, como a Trincadeira e Alicante Bouschet nas tintas e Rabo de Ovelha, Roupeiro, Antão Vaz, Cachudo (Malvasia Fina), Tamarez e Arinto nas brancas.

A Confraria do Vinho de Talha de Cabeção, criada a 3 de janeiro de 2023, tem vindo a desenvolver uma série de atividades para preservar e valorizar o vinho de talha de Cabeção. José Vieira tem sido um dos seus dinamizadores, mostrando a singularidade dos vinhos de Cabeção e dos que faz em nome próprio – com a marca Cananó.

JOSÉ VIEIRA E OS VINHOS CANANÓ

José Vieira teve uma longa carreira na Guarda Nacional Republicana, mas após a passagem à reserva pôde finalmente dedicar-se à paixão do vinho de talha, que herdou da sua família, conhecida em Cabeção pela alcunha de Cananó.

A sua ligação ao mundo do vinho começou quando era bem novo: “Era muito pequeno quando comecei nestas andanças, atrás do meu avô, do meu pai e do meu tio, que eram todos ‘Cananós’. Tinha seis ou sete anos quando comecei a acompanhar as vindimas com eles e a pisar as uvas dentro de um tanque. Aos 16 ou 17 anos comprei a primeira uva e fui fazer a minha primeira talha, com a ajuda de outro tio, conhecido na terra como o Zé Galego”.

José Vieira é o quarto na geração familiar a produzir vinho em talha. Na sua família, à semelhança de muitas outras em Cabeção, produziam-se pequenas quantidades de vinho, cerca de 300 litros, para consumo doméstico. Aumentou a produção e começou a vender o seu vinho a granel, a familiares e amigos. No entanto, “em virtude de não existir um vinho de talha engarrafado no nosso concelho, decidi registar uma marca em 2017, e assim nasceu a Cananó Cabeção”. Foi também assim que iniciou uma aventura, na qual tem a ajuda da sua família, esposa, filhos, familiares e alguns amigos.

O produtor explora neste momento seis hec- tares de vinha com idades compreendidas entre os 20 e os 100 anos. Neste momento tem duas adegas em Cabeção, tendo algumas talhas com mais de 400 anos, embora a maioria tenha cerca de 200 a 250 anos. Comercializa duas marcas – Cananó Cabeção e Cananó Wines – que se têm vindo a afirmar pela qualidade e originalidade.

CONCENTRAÇÃO DE TALHAS

Cabeção tem uma das maiores concentrações de talhas do Alentejo, espalhadas por adegas comerciais, mas especialmente por adegas particulares. Em muitas localidades, as talhas antigas foram destruídas ou vendidas para outras paragens, mas aqui preservaram-se centenas delas e em agosto/setembro enchem-se de uvas para elaborar o vinho de talha.

Segundo José Vieira uma das características que diferencia os vinhos de Cabeção face a outras regiões do Alentejo é a utilização, nos tintos, das castas Aragonez e o Castelão, “numa maior percentagem nos lotes”, enquanto nos brancos predomina a Fernão Pires. Outra diferença é fazerem “desengaçamento total”. Estas características tornam os vinhos de talha de Cabeção especialmente suaves e frescos.

José Vieira e os membros da Confraria do Vinho de Talha de Cabeção gostavam que a médio prazo a sua localidade pudesse engarrafar DOC Talha, fazendo parte de uma das sub-regiões do vinho alentejano que foram regulamentadas em 1988, mas que já não correspondem à realidade atual do vinho alentejano. A qualidade dos seus vinhos, a sua longa história, a vivência e o amor que existe nesta localidade pelos vinhos de talha assim o exige.

Neste momento apenas podem engarrafar como vinho regional alentejano e não podem usar o termo “talha” devido à legislação existente. Segundo José Vieira, esta mudança traria vantagens para a localidade, pois Cabeção identifica-se “com o resto da região que produz vinho em talha, porque é uma identidade de todo o Alentejo e isso atrai pessoas para este tipo de vinho”.

Por outro lado, “o consumidor tem direito a saber o tipo de vinho que está a adquirir, visto que isso deve estar mencionado no rótulo”. Portanto, fazem vinho de talha, mas não podem certificar, nem mencionar no rótulo.

A Confraria do Vinho de Talha de Cabeção em conjugação com a Câmara de Mora pretendem valorizar a história do vinho de talha de Cabeção e dinamizar o enoturismo, com visitas às vinhas centenárias e provas de vinhos nas adegas. Pretende-se continuar a realizar eventos vínicos, como a abertura das talhas, a prova do vinho novo, o concurso de vinho de talha de Cabeção e colóquios sobre este sector. A médio prazo, a ideia é criar um Museu do Vinho de Talha e dinamizar a rota das adegas.

A HERANÇA

“A história de Cananó”, garante o produtor, “é mais do que uma narrativa sobre vinificação; é um testemunho da perseverança familiar e da habilidade artesanal que atravessa séculos”. E que na família de José Vieira é tradição antiga, com a arte de fazer vinho de talha transmitida por Manuel Vieira, conhecido na terra como Cananó, ao filho José e ao neto João.

“Desde a colheita meticulosa das uvas locais até o delicado processo nas nossas talhas, cada gesto reflete o profundo respeito pela terra e pelo património cultural da região”, refere.

CANANÓ VINHAS VELHAS TINTO 2022
Vinho Regional Alentejano Cananó Wines

Castas: tradicionais misturadas no campo

Vinho de talha de vinhas velhas é um privilégio por estarmos a provar a história e a cultura de um local. Frutos vermelhos maduros e alguns aromas terrosos. Revela grande profundidade, largura e frescura, permanecendo o seu sabor na boca por longo tempo, só ao alcance dos grandes vinhos. Vinho de grande equilíbrio e qualidade, aportando sensações de intenso prazer. Dignifica o Alentejo e reconhece o trabalho dos nossos antepassados e poderá ser bebido na próxima década.

14% vol. / PVP: 50 euros

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