De “Rabo de Peixe” a “Cantadeiras”, o percurso ímpar de Helena Caldeira

Com paixão por tudo o que faz, Helena Caldeira move-se entre a televisão, o cinema e o teatro. Brilhou no papel de Sílvia em “Rabo de Peixe”, que lhe consolidou o reconhecimento. E agora, em “Cantadeiras”, defendendo o soberbo monólogo em palco – sobre as camponesas
do Alentejo –, que ela própria escreveu, encenou e interpreta, e que estreou em Montemor-o-Novo, a sua terra natal, para onde tem outros projetos. Júlia Serrão (texto)

Depois de ter passado na televisão, a peça “Cantadeiras” ganha vida nos palcos. O monólogo com texto, encenação e interpretação de Helena Caldeira é uma viagem pelas memórias das mulheres camponesas do Alentejo, resultado de “uma pesquisa muito intensiva sobre a vida das mulheres no campo”, feita principalmente em Montemor-o-Novo.

“Apesar de não ter sido a minha vida, sinto que isso está comigo, quase nos meus genes, porque essas histórias rodearam a minha infância e as mulheres que me educaram. Apesar de o texto ser sobre o Alentejo, é também um pouco biográfico”, refere a atriz e encenadora.

Como a ideia era fazer o espetáculo para teatro, a versão televisiva surgiu a partir desse texto inicial. “Apesar de achar que é um exercício interessante fazer teatro em televisão, a mim, enquanto performer, agrada-me mais fazer ao vivo”, explica. O espetáculo ao vivo tem “outras nuances”, incluindo a presença de um grupo de cante feminino em palco. O monólogo mantém-se, mas já não está sozinha em palco.

O projeto “Cantadeiras” nasce da vontade de a artista mergulhar nas suas “raízes”, através de vários temas. “Um dia deparei-me com um pensamento: por que raio o cante feminino não é tão forte como o masculino”. Fez pesquisas e recolheu testemunhos de mulheres que não estavam inseridas em grupos corais formais de cante, apesar de todas trabalharem no campo e terem uma prática de cantar modas alentejanas. “O exercício que fiz foi do plural para o singular, como se fosse uma viagem do passado para o presente, dessas outras mulheres até a mim”.

Helena Caldeira tem 29 anos. O contacto com o campo contribuiu para que tivesse uma infância ainda mais feliz. “Foi assim que cresci, e quero continuar a manter essa relação com a natureza”, observa. Não teve influências artísticas – a mãe é cabeleireira e o pai é pasteleiro – e não foi muito ao teatro durante a infância e adolescência, desde logo porque não havia muita oferta em Montemor-o-Novo.

Tão pouco se lembra de um momento que tenha determinado a sua vontade em ser atriz. Mas assegura que, entre “muitas outras coisas, ser artista ou qualquer coisa no meio das artes sempre esteve presente” na sua vida – umas vezes pensava cantora, outras bailarina, outras atriz. Experimentou o balé e outros estilos de dança. “Comecei por dançar e cantar. A interpretação veio mais tarde”.

Concluído o 12.º ano em Artes Performativas na Escola André de Gouveia, em Évora, muda-se para Lisboa, para se licenciar em Teatro/Atores na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) em 2018, tendo estagiado no Teatro Nacional D. Maria II. Estreou-se em televisão integrando o elenco de uma novela da TVI, participou em peças de teatro e em telefilmes, e fez parte do musical “Trouble” – sobre a juventude de Andy Warhol e o nascimento da pop art – sob direção de Gus Van Sant, que estreou no D. Maria integrado na bienal Boca, e que esteve em digressão internacional.

Mas é no papel de Sílvia, protagonista da série “Rabo de Peixe”, estreada em 2023 na Netflix, que Helena Caldeira consolida o seu reconhecimento a nível nacional, sendo nomeada para Melhor Atriz nos Globos de Ouro. A série marcou a história da ficção nacional e tem, para si, um significado “muito especial”, pois até esse momento tinha feito alguns projetos em televisão, mas estava mais ocupada com o teatro. “Veio mudar o paradigma”, diz. Por outro lado, também a deu a conhecer a colegas fora do palco, abrindo-lhe outras portas.

“Diverti-me imenso a fazer ‘Rabo de Peixe’. Gostei muito e estou muito orgulhosa do trabalho, acho que fiz o melhor que podia naquele momento da minha vida. Foi muito bom receber frutos disso”. No geral, e em jeito de balanço de uma carreira que ainda agora começou, afirma: “Tenho tido sorte, estou muito grata pelo percurso que tenho feito, tem sido muito divertido e diversificado”.

Determinada, com grande paixão pelo que faz, e não se limitando a um único projeto: eis algumas característica de Helena Caldeira, que em 2018 fez nascer o coletivo Bestiário, juntamente com Afonso Viriato, Miguel Ponte e Teresa Vaz. Conheceram-se na ESTC, começaram a trabalhar juntos e “correu muito bem”. No fim do primeiro projeto conjunto, “Atmavictu”, com que integraram o Festival Try Better Fail Better, promovido pelo Teatro da Garagem, já tinham ideia para outros espetáculos, pelo que sentiram necessidade de criar a associação.

Desde então, refere, “têm surgido sempre ideias, que vêm de uma necessidade quase social ou antropológica de pôr coisas cá para fora e de nos profissionalizarmos, porque a indústria é muito pequena e não há audições para atores e um espaço onde os atores possam também ser criadores”. Revela que não se viam a fazer uma única coisa, e queriam ter um espaço de criação e pensamento livres. 

“Cantadeiras” é uma produção da Bestiário e o primeiro projeto que Helena Caldeia dirige e que está a fazer a solo, contando com “apoio de produção, logística e artístico” dos restantes elementos da associação. “A minha linguagem artística em palco é muito influenciada pela linguagem artística deles e a linguagem artística que nós criámos enquanto Bestiário”.

Helena Caldeira explica que a estrutura artística é o seu espaço de criação, de muita liberdade, onde pode “literalmente extravasar e errar sem consequência nenhuma. Devo muito o meu crescimento enquanto interprete à Bestiário”.

FOCO “NAS RAÍZES”

Se até entrar na universidade queria muito sair do Alentejo, ir para Lisboa conhecer coisas novas, ao fim de dois anos a viver na grande cidade já tinha vontade de voltar. “Parece que as minhas raízes vieram até mim, ou, então, levei-as comigo”.

Agora, sempre que pode está no Alentejo. “Olho para Montemor-o-Novo e penso que tudo o que tenho em Lisboa posso ter aqui. Se calhar não com tanta frequência, mas agrada-me muito a ideia de descentralizar. E há outro tipo de trabalho artístico que se pode fazer em lugares mais pequenos, mais próximo da comunidade”.

Sublinhando que o seu percurso artístico está “muito focado” nas suas “raízes” e em descobri-las, está a criar mais projetos artísticos na cidade onde nasceu. “Acho que é um ciclo que tenho de fechar. Sinto que para passar à frente preciso fechar este lado, mais ancestral, descobrir a minha essência, abrir caminhos”.

Helena Caldeira diz-se mergulhada numa fase de grande entusiasmo com o futuro, cheia de ideias e projetos, querendo continuar a ter uma carreira muito diversificada, como até aqui. “Estou a investir cada vez mais nisso. Cada vez me vejo menos presa a um rótulo”.

Agora vai estrear-se na realização de uma curta-metragem, sendo que todas as filmagens decorrerão em Montemor-o-Novo, trabalho que nasce de “Cantadeiras”. Enquanto atriz vai começar os ensaios de um espetáculo para o Teatro da Trindade, em Lisboa e, no próximo ano, irá integrar o elenco de “Águas Passadas”, o livro de João Tordo que o realizador Bruno Gascon e o autor estão a adaptar para série televisiva. Ah, claro… e a nova temporada de “Rabo de Peixe” já estreou na Netflix.

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