Carlos Cupeto: “Os deuses vivem em Borba”

A opinião de Carlos Cupeto, professor da Universidade de Évora

Num encontro de morfologias únicas, Serra de S. Mamede, planalto de xistos, mármores e dolomitos, temperados com muito barro, sol e chuva, com a Serra d’Ossa a sul, há um lugar de excelência com grande identidade cultural e social. Ao lado, tudo é igual, mas também, predominantemente diferente. Estremoz e Vila Viçosa nada têm a ver com Borba. Quem diria?

Numa tarde de canícula, dezenas de pessoas rumaram a Borba pela mão do afamado “Andanças vinho & petisco”, a ancestral cultura alentejana do vinho e petisco ao fim do dia. Depois do andar pelas ruas de Borba, passando por catedrais dos verdadeiros e autênticos sabores enogastronómicos locais, o numeroso grupo foi recebido no muito recomendável Espiga. A excelência do Espiga tem a cumplicidade da Adega Cooperativa de Borba e naquela quente tarde assumiu o santo destino da peregrinação.

Recuperadas as forças, o ânimo esteve sempre em alta, com mais algumas iguarias petisqueiras e vínicas, eis que os deuses da cozinha Espiga nos serviram uma açorda de fraca. Depois de explicadas as várias possibilidades do ritual para saborear a iguaria, acresce a exigente escolha do vinho. Um branco e/ou um tinto: o Quintas de Borba Grande Reserva 2019, a homenagear o passado riquíssimo da região vinhateira de Borba, com 12 meses em barricas novas de carvalho francês, de taninos suaves, frutados e tostados, de frescura final a cacau adocicado; o Senses Arinto de boa intensidade aromática (fruto seco e flor de laranjeira), aveludado, acídulo e persistente, com enorme frescura.

Na primeira colherada acontece a previsível explosão e confusão de sabores, a visão e olfato já nos tinham prevenido. A conveniente frescura dos verdes coentros é sustentada e temperada pela presença do alho e sal, como em qualquer açorda.

A habitual luminosidade solar conferida pelo azeite é aqui entregue à gordura do próprio animal. O sabor é menos refinado e mais silvestre, a textura da carne faz o resto: uma frescura quente que vai muito para além das papilas gustativas e inunda todo o corpo, em festa. O enorme desafio da harmonização do vinho com um prato desta complexidade, mostrou-se plena e conseguida, qualquer que fosse a opção, branco ou tinto; a excelente escolha coube ao incontornável Óscar Gato.

Apesar do enorme percurso enogastronómico até esta joia, é notável a forma fácil como o estômago ainda a acolheu; provavelmente este é o melhor indicador da divindade do prato. Borba, mesmo que o tempo e a distância digam não.

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