O número de casos acompanhados pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ), do Alentejo, tem vindo a aumentar. Por cada 100 crianças residentes na região, 5,6% tinham em 2023 um processo de acompanhamento aberto, para salvaguarda e promoção da sua segurança. Pior só o Algarve e as ilhas. A tendência tem sido de agravamento, uma vez que no ano anterior a taxa não ia além dos 5,1%. Feitas as contas, mais de 3100 crianças e jovens estavam a ser seguidos pelas diversas CPCJ.
Os dados constam do mais recente relatório anual da Comissão Nacional para a Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, consultado pela Alentejo Ilustrado. Os concelhos de Avis, Mourão, Crato, Castro Verde e Marvão, por esta ordem, são os que registam maior taxa de incidência a nível regional, numa percentagem que varia entre os 12,4 e os 8,1%.
O maior número relativo de processos instaurados pela CPCJ de Avis “decorreu do absentismo e abandono escolar, e dizem especialmente respeito a crianças de etnia cigana”, explica a presidente da Comissão, Bernardina Pinto, notando que as situações são “normalmente” sinalizadas pelo Agrupamento de Escolas. Seguem-se os casos de violência doméstica e negligência.
Segundo Bernardina Pinto, enquanto os casos de absentismo escolar “têm-se mantido” a um nível elevado, os de violência doméstica estão a aumentar, com crianças muito expostas às “discussões dos pais”. A problemática é, muitas vezes, espoletada por situações de desemprego e/ou de alcoolismo, sendo sinalizada pela Guarda Nacional Republicana (GNR), que é chamada ao domicilio das famílias.
Vizinhos, professores, familiares das próprias famílias e anónimos comunicam as situações de negligência que se traduzem de diferentes formas: “As crianças não estão bem, não vão bem alimentadas, nem bem vestidas para a escola, passam muito tempo na rua”. A presidente frisa que a negligência também pode ter motivações “culturais”, recordando o caso de um pai que aplicava o “modelo educativo” com que tinha “sido criado”. Não conhecia outro.
Em número equiparado de meninos e meninas, as crianças acompanhadas pela CPJC de Avis têm maioritariamente até 10 anos de idade. O acompanhamento das comissões não se faz sem o consentimento dos pais, mas se o recusarem o caso segue para o Ministério Público. Bernardina Pinto esclarece que normalmente os progenitores dão o consentimento, sendo que alguns “têm um grande receio que lhes tirem os filhos”. A primeira coisa a fazer é tranquilizá-los, nota, para explicar que estes são também os casos com “maior sucesso”, na medida em que os pais se envolvem mais para resolver a situação de risco em que os filhos se encontram.
O acompanhamento começa com uma visita domiciliária para verificar as condições de vida da criança, ao que se segue a assinatura de um acordo de promoção e proteção onde se descrevem as diretrizes a seguir pelas partes (comissão e pais), sendo que as crianças também assinam, a partir dos 12 anos. O acompanhamento vai de três meses a um ano. Quando há incumprimento, o processo segue para o Ministério Público.
MAIOR VISIBILIDADE
A presidente da CPCJ de Castro Verde justifica os números relativos a 2023 como resultado de “uma situação referente a comunicação anónima que, pela sua natureza, foi remetida ao Ministério Público”. Trata-se de “uma incidência atípica”, pelo que a “estatística não reflete a realidade”, sublinha Isabel Caetano de Freitas.
Negligência, violência doméstica e bullying foram as problemáticas com maior número de registos, logo seguidas do absentismo escolar, tendo como entidades sinalizadoras os “estabelecimentos de ensino, as autoridades policiais e as denúncias anónimas”. As comunicações de perigo distribuíram-se por todas as faixas etárias, tendo-se registado maior incidência em crianças/jovens do género masculino, na faixa dos 11 aos 14 anos.
A presidente da CPCJ de Castro Verde observa que o aumento das comunicações de perigo é “uma tendência a nível nacional”, quepoderá dever-se a “uma maior visibilidade” da intervenção das Comissões, no seguimento “das campanhas de sensibilização” que têm vindo a ser realizadas a nível nacional. No mesmo sentido, diz, poderão contribuir as atividades de prevenção e divulgação a nível local, nomeadamente nas escolas.
Isabel Caetano de Freitas nota igualmente que as Comissões só podem intervir com o consentimento dos pais, que depois podem decidir retirar o assentimento. “Todo o processo é colaborativo e negociado”, assegura, acrescentando que, “de um modo geral, quando as pessoas compreendem que há mitos criados que não são verdadeiros, e que a intervenção é para a proteção das crianças e tem uma finalidade de ajuda à família, aceitam e colaboram”.
Os dados do Relatório Anual indicam que 4,40% das crianças e jovens residentes no concelho de Évora estavam a ser acompanhadas pela CPCJ em 2023. É uma taxa ligeiramente inferior à média regional. Ao longo do ano foram comunicadas 308 situações de perigo, tendo sido instaurados 271 processos de promoção e proteção, a que acresceram os 127 transitados do ano anterior, num total de 398 processos.
De acordo com relatório de atividades da CPCJ de Évora, igualmente consultado pela Alentejo Ilustrado, as problemáticas maissinalizadas foram a violência doméstica (86 comunicações), falta de supervisão e acompanhamento familiar (36) e negligência grave (33), seguida de bullying (20). Foram comunicadas mais situações de crianças/jovens em perigo do género feminino – 138, contra 133 do masculino.
A esmagadora maioria das situações foi sinalizada pela Polícia de Segurança Pública (PSP), seguida de longe pelos estabelecimentos de ensino e anónimos. O documento chama a atenção para o facto de uma comunicação poder incluir mais de uma problemática, “o que aumenta a situação de perigo”.
A CPCJ de Évora registou igualmente um aumento do número de comunicações na faixa etária até aos três anos, tendo sinalizado 75 casos em contextos de perigo, mais 23 que no ano anterior. “É preocupante”, sublinha a instituição, “tendo em conta a necessidade de serem assegurados os cuidados básicos nestas idades, prestados por terceiros com os quais é suposto existir uma relação de dependência, sendo os adultos com maior responsabilidade os prestadores de cuidados e com os quais a criança estabelece a primeira relação vinculativa”.
Acabado de concluir, o relatório relativo ao primeiro semestre atualiza os dados: até ao fim de junho de 2024, foram comunicadas 211 situações de perigo com instauração do mesmo número de processos de proteção. A este acresceram 181 transitados de 2023, o que somava 392 processos intervencionados.
Do total de novos casos, 176 são processos instaurados pela primeira vez e 35 são reaberturas. Nos primeiros seis meses do ano, foram comunicadas mais situações de perigo de crianças do género masculino (112, contra 99 do género feminino), destacando-se as com idades compreendidas entre os 10 e os 15 anos.
As problemáticas “têm apresentado algumas alterações bastante significativas”, mas a violência prevalece, com 56 comunicações. “A negligência grave regressou ao segundo lugar (35) e o aumento do bullying (27) representa o aumento do descontrolo dos comportamentos agressivos entre as crianças”.
Seguem-se a falta de supervisão e acompanhamento familiar e os comportamentos antissociais, estando estes últimos “significativamente associados” ao género masculino, e verificando-se “um aumento bastante acentuado” de casos. O mau trato físico justificou a retirada de oito crianças da família nuclear.