A música é sentimento, horizontes, instantes e perpetuidade. Também é espanto e diálogo, como aquele que sobe ao palco na noite de 9 de novembro, em Arronches. O momento dedicado à grande música em mais um fim de semana do Festival Terras sem Sombra (TSS) conta com a presença de um coro filipino representativo de um movimento artístico que, há cinco décadas, cativa jovens para a música.
Igreja fiel, no essencial, à traça manuelina, a matriz de Nossa Senhora da Assunção irá acolher (21h30) este concerto inédito à escala nacional, sob o título “No Regresso de Magalhães: Diálogos Inéditos entre as Filipinas e a Europa”.
Em palco, um grupo de mais de quatro dezenas de intérpretes filipinos, o Sing Philippines Youth Choir, um dos mais famosos coros das Filipinas – país que é grande pátria da tradição coral –, sob a direcção musical do maestro Mark Anthony Carpio, percorre uma viagem musical de cinco séculos, nas composições para voz, entre outros, de Ily Matthew Maniano, Luca Marenzio e John Francis Wade.
Uma noite de grande música que se completa com a colaboração de um grupo de tocadores locais, Pedrinhas de Arronches, que fazem dos seixos encontrados nas margens da ribeira local o instrumento para um emocional repertório. Um relato da vida no campo, as tradições e as vivências de um povo. Estima-se que há mais de cem anos que existam tocadores de pedrinhas em Arronches, mas como grupo organizado, surgiu na década de 1990.
Mas o TSS, como habitualmente, não se fica pela grande música. Para a tarde de sábado, a partir das 15h00, propõe uma visita “Ao Encontro das Raízes: O Convento e a Igreja de Nossa Senhora da Luz”. Com o ponto de encontro no Convento de Nossa Senhora da Luz, a actividade é guiada por Tiago Pereira (técnico de património cultural) e pelo historiador de arte e diretor artístico do festival, José António Falcão.
Tido como “a menina dos olhos” dos arronchenses, o convento habita, literal e emocionalmente, o coração da vila alentejana. Antiga casa do século XVI, pertencente à Ordem dos Agostinhos Descalços, o imóvel apresenta uma arquitectura despojada, marcada pela sobriedade das linhas e pela utilização de materiais locais. Ao longo dos séculos, aquela estrutura de volumetria imponente, a avultar sobre o casario, desempenhou um papel marcado na vida religiosa e social da comunidade.
Após a extinção das ordens religiosas, em 1834, o complexo edificado de Nossa Senhora da Luz atravessou períodos de abandono e uso alternado, afastando-se da sua função primeira. Serviu como hospital e quartel, esteve na posse de particulares, atendeu a funções comerciais e foi destinado ao armazenamento de cereais. Em 2023, o imóvel reabriu portas à população após uma requalificação de três anos que lhe devolveu a dignidade e o dotou de infra-estruturas aptas a diferentes actividades culturais.
Quanto à igreja de Nossa Senhora da Luz, foi erigida, em 1570, no lugar onde existia a ermida de Nossa Senhora da Luz. Trata-se de uma igreja de nave única, formada por capela-mor e duas capelas laterais que terminam em cúpulas pintadas. No edifício, há a realçar o pórtico renascentista, em mármore, com medalhões nos cantos e a fachada formada por arcos de volta inteira assentes em colunas de granito. A torre sineira assume configuração singular.
PELO CAIA E PELA RIBEIRA DE ARRONCHES
Já no domingo, a partir das 9h30, será no frescor de uma manhã de outono que decorre a acção votada à salvaguarda da biodiversidade. Subordinada ao tema “Fontes Vitæ: A Ribeira de Arronches e o Rio Caia”, a actividade tem como ponto de encontro o Centro Interactivo da Ruralidade de Arronches (CEIRA). Caberá ao fotógrafo de natureza Diogo Marecos Duarte, com larga experiência no estudo de avifauna, orientar a visita ao encontro de um traço da paisagem que desempenha um papel de relevância na vida do concelho de Arronches.
O Caia é um filão de vida que nasce nas alturas da serra de São Mamede, passando à vista de Alegrete, Mosteiros, Arronches, Campo Maior, correndo em Caia para culminar no rio Guadiana. Em Arronches, o rio encontra as águas mais humildes da ribeira de Arronches que nasce junto aos pontos mais elevados da serra de São Mamede. Dali, serpenteia ao longo de uma extensão de quase 25 quilómetros.
A ribeira de Arronches é, há séculos, fonte de água para a população, irrigação agrícola e um valioso suporte à fauna e flora locais. Um curso de água que abriga um importante ecossistema. Na vegetação, freixos e salgueiros, amieiros e choupos, tamargueiras e caniços contribuem para o equilíbrio ecológico e fornecem abrigo a pequenos animais. Aves aquáticas como garças, patos e guarda-rios, mamíferos de pequeno porte, como a esquiva lontra, assim como uma miríade de répteis, anfíbios e insectos aquáticos povoam aquele ambiente aquático.