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Crónica de Jorge Araújo: “Alentejo, julho de 2050” (parte II)

O Alentejo está condenado a desenvolver-se, disse alguém. Esperemos que o faça sem se descaracterizar como aconteceu com outras regiões. Para nos certificarmos, viajámos até 2050 e seguimos os passos de uma família sueca, curiosa por descobrir esta ponta da Europa “onde a terra acaba e o mar começa”.

Jorge Araújo (texto) e Susa Monteiro (ilustração)

O dia amanhecera ligeiramente brumoso, o que augurava que o calor tardaria em castigar. João foi buscar a família Gunnar. Terminavam o pequeno-almoço, restaurados e prontos para enfrentarem o programa que João concebera, que seria seguramente cansativo, mas gratificante.

Desceram ao parque para tomarem um carro de aluguer sem condutor. Foi então que os Gunnar compreenderam que aquele espaço era muito mais do que um estacionamento. Restaurantes e cafés delimitavam vastas áreas pontuadas por equipamentos para diversão juvenil. 

Na realidade, o subterrâneo tinha sido concebido também para a população se proteger das ondas de calor sem se sentir, contudo, num refúgio de guerra. Comércio diverso, incluindo um cinema e um centro comercial, mas também uma unidade de saúde e uma sala de exposições de arte usufruíam do amplo espaço escavado na rocha, que se estendia por grande parte da base da colina onde, outrora, os romanos haviam glorificado a “joia da coroa” lusitana, a sua Liberalitas Julia.

João registou o destino no veículo, pagou, e rodou os quatro assentos de modo a ficarem de frente uns para os outros. O veículo partiu sem hesitação. Tal como por toda a Europa, os carros eram elétricos, mas em Portugal, alimentavam-se de hidrogénio, que a abundância de energia solar permitia produzir a custos muito baixos; e exportar! Em vez das pesadas baterias, os veículos dispunham apenas de uma “célula de combustível onde o hidrogénio se recombinava com o oxigénio do ar, gerando a energia elétrica para o motor. 

O abastecimento de hidrogénio processava-se por substituição de “plumas”, como as que, no passado, eram usadas para o gás doméstico. Tudo muito simples e absolutamente nada poluente, pois o único gás de escape era… vapor de água!

Enquanto rolavam, João falou-lhes do passeio. Iriam visitar o mais antigo monumento megalítico, onde os antigos haviam descoberto como prever o solstício de verão. Antes que João prosseguisse, Erik reagiu, lembrando que Stonehenge, no sul de Inglaterra, que ele já visitara, é considerado o mais antigo. João esclareceu que quando Stonehenge começou a ser erigido, em 3.000 a.C., o cromeleque que iriam visitar já existia há 3.000 anos! 

O que é lógico, prosseguiu João, dado que é contemporâneo do período inicial da agricultura e da pecuária. Como se compreende, a previsão do solstício e, com isso, o conhecimento das estações, era indispensável para quem começava a tentar dominar o ciclo de vida das plantas e dos animais. Aquele que possuísse esse conhecimento, granjearia de um ascendente sobre a comunidade; era o apanágio dos sacerdotes.

Os Gunnar ficaram encantados com o que viram, uma centena de imponentes menires delimitando dois campos ovais. Espetacular! No Centro Interpretativo puderam assistir à reconstituição de cenas da vida megalítica, em grandes hologramas, e inquirir a apresentadora sobre o modo de prever o solstício de verão através alinhamento dos menires com o sol, e também sobre a agricultura que se praticava há 6.000 anos.

A manhã já ia alta e escaldante quando regressaram a Évora. Calados, os Gunnar digeriam uma imensa informação. Chegaram a tempo de usufruírem do período do meio-dia dos banhos romanos, uma saudável luxuria que era objeto de competição entre vários estabelecimentos.

Piscinas quentes e frias, e massagens de todos os géneros, atraiam uma clientela exigente de qualidade de vida. Erik dispensou as massagens, contentando-se com uns mergulhos, mas Greta não prescindiu de uma boa massagem relaxante. Helga acompanhou a mãe e João fez companhia a Erik. 

Um prato de iguarias alentejanas trazido por uma “romana” de Ipanema, e dois copos de vinho branco, fresco, compunham-lhes a mesa e estimulavam a conversa. Erik quis então saber qual era o ‘modus vivendi’ que o candidato a genro, estabelecera com a vida. João elucidou-o

prontamente. Era engenheiro silvicultor, mas especializa-se em “restauro da natureza” trabalhando em zonas florestais degradadas. Atualmente, as suas preocupações haviam-se deslocado para a orla marítima; tinha em mãos um projeto ambicioso de restauro das zonas dunares da costa alentejana, degradadas ao longo de décadas de abandono aos interesses dos promotores de campos de golfe.

Mais tarde, João e Helga levaram os pais ao comboio da TransAl que os conduziria a Monsaraz. Iriam passar uma semana a dois num alojamento turístico perto do grande lago do Alqueva. Enquanto esperavam na esplanada da estação, João explicou-lhes que o Alentejo estava agora inteiramente cerzido por uma rede de transportes ferroviários, completada por um serviço de autocarros que assegurava deslocações curtas, para aldeias e lugares dispersos. Não tinha sido fácil convencer os decisores políticos. Só a unanimidade e a persistência dos autarcas tinham vencido a lógica prevalecente, segundo a qual, com tão baixo nível populacional, não se justificava instalar mais ferrovia. Contra esta lógica, fizeram ver que sem transportes que viabilizassem a vida em todo o Alentejo, incluindo no espaço rural mais profundo, nunca a depressão demográfica seria vencida.

Erik quis saber quanto custara, mas o comboio da TransAl chegou e eles tiveram de se despedir.

Helga e João, finalmente sós!

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