Desigualdades eleitorais: quase 1,3 milhões de votos não elegem deputados

Cerca de 1,3 milhões de votos nas últimas legislativas ficaram sem representação parlamentar, correspondendo a mais de 20% do total, com os territórios do interior e a emigração entre os mais penalizados. A conclusão é de um estudo do matemático Henrique Oliveira, que denuncia a desigualdade territorial do sistema eleitoral português.

Cerca de 1,3 milhões de votos nas últimas eleições legislativas ficaram “desperdiçados” e não serviram para eleger nenhum deputado, o que corresponde a 20,4% do total, sendo os territórios do interior e a emigração particularmente prejudicados.

É uma das conclusões do estudo intitulado “Os votos sem representatividade”, elaborado pelo matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico, que atualiza um trabalho anterior realizado aquando das legislativas de 2024, agora incluindo os votos dos círculos da Europa e Fora da Europa.

No total, foram contabilizados 1,26 milhões de votos sem representatividade no país, somando os restos de todos os círculos eleitorais analisados, sem contar com brancos e nulos. Estes votos correspondem a 20,4% dos votos válidos.

Segundo Henrique Oliveira, existe uma grande desigualdade entre os grandes e os pequenos círculos eleitorais, tanto no território nacional como na emigração. “Uma pessoa que vote em Lisboa quase certamente elegerá um deputado com o seu voto, a não ser que opte por um partido muito pequeno. Já em Portalegre, apenas duas forças políticas conseguem, no máximo, eleger alguém, tal como acontece nos círculos da Europa e Fora da Europa”, refere.

De acordo com o estudo, é nos círculos mais pequenos que se verifica maior falta de representatividade. Em Portalegre, 49,5% dos votos válidos não elegeram qualquer deputado, seguindo-se Beja, com 48,4%, Europa, com 46,8%, e Fora da Europa, com 45,6%.

“Quase metade dos votos de Portalegre não servem para eleger nenhum deputado, ao passo que cerca de 90% dos votos de Lisboa e de 84% no Porto servem para eleger deputados. É uma grande desigualdade territorial: o voto do interior, o voto do emigrante, vale menos do que o voto de Lisboa, Porto, Braga, de todos os grandes círculos”, refere Henrique Oliveira.

Outra conclusão do estudo é que os grandes partidos conseguem converter a maioria dos seus votos em mandatos, com percentagens na ordem dos 90%, enquanto os mais pequenos não ultrapassam os 40 a 45%. O PAN, por exemplo, precisou de 126.805 votos para eleger um deputado, ao passo que o PS necessitou de apenas 23.237. Na prática, o PAN teve de reunir mais de cinco vezes o número de votos do PS para obter o mesmo resultado.

O estudo identifica o PS como o partido mais eficiente na conversão de votos em mandatos, com 92,4%, seguido da AD, com 92%, e do Chega, com 90,7%.

Henrique Oliveira refere que esta discrepância entre partidos é inerente ao sistema eleitoral português, que converte votos em mandatos através do método d’Hondt, mas o mesmo não se pode dizer quanto às desigualdades territoriais.

“É um défice que existe na democracia portuguesa: o interior já é, muitas vezes, esquecido, e ainda por cima vale menos, em termos democráticos, do que o litoral”, referiu, salientando que há formas de tornar o sistema mais igualitário nessa matéria.

“Uma delas é criar um círculo de compensação nacional, o que iria ter um grande inconveniente, que era dificultar muito a criação de maiorias políticas. Outra maneira era agrupar os círculos do interior em grandes círculos – por exemplo, podíamos juntar o Alentejo e o Algarve – que elegeriam nove ou dez mandatos”, exemplificou. 

Quanto a formas de corrigir desigualdades entre os partidos, o investigador deu o exemplo do sistema eleitoral de Israel – que tem um único círculo nacional, o que garante uma maior representatividade –, mas advertiu que teria o inconveniente de tornar “praticamente impossíveis” maiorias absolutas.

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