Descobriu o seu “amor” pelo Juventude de Évora muito antes de imaginar que, um dia, haveria de viver na cidade. Claro que, para um adepto portista, o facto de o clube eborense equipar de azul e branco não é, de todo, indiferente. Mas o que António Sousa não esquece é um jogo a que assistiu no Montijo – era sócio do, já extinto, Clube Desportivo – em que o Juventude conseguiu um empate a três golos, mesmo ao cair do pano. “Sempre gostei muito do futebol associativo e, a partir daí, comecei a acompanhar a carreira desportiva do Juventude, a ver os resultados. Aquela equipa impressionou-me”.
Sendo fruto das circunstâncias, a escolha de Évora para viver não resultou propriamente de um acaso. Acabada a especialidade em medicina interna, António Sousa pensou em ficar no Hospital de Setúbal, onde se formou, ou nos Hospitais Civis de Lisboa. Sucede que não abriram concur- sos para essas unidades de saúde. Vagas só em Lagos, Castelo Branco ou Évora, o que tornou óbvia a opção. “A minha mulher nasceu em Évora, a família dela é da Aldeia da Luz, no concelho de Mourão, os meus avós e o meu pai são da aldeia de São Matias e viveram em Portel, portanto a escolha de Évora foi óbvia, a cidade não nos era estranha, antes pelo contrário”.
Aqui chegado foi procurar o Juventude, com um percalço pelo meio. “Enganei-me no estádio, acabei no do Lusitano, o que era fácil pois ficam perto”. Desfeito o equívoco, fez-se sócio dos azuis-e-brancos, começou a ir aos jogos e a ter uma ligação “muito mais efetiva e colaborante” com o clube. A começar pelo acompanhamento clínico do plantel e a elaboração das fichas médicas dos jogadores. Desse “encantamento” nascido no Montijo e da ligação “colaborante” mantida ao longo dos anos, haveria de surgir a sua candidatura à presidência do Juventude Sport Clube, cargo que ocupa há 11 anos.
Como adiante se verá, o momento mais alto destes mandatos acontecerá dentro de dias, com a inauguração do novo estádio. Mas, antes de lá chegarmos, um balanço do que está cumprido: “Estou cá há 11 anos. Quando comecei, tínhamos 100 atletas, agora temos mais de 600, mas isso são comparações que já não fazem sentido. O nosso retrato é o de um clube com sete modalidades, terminámos a época passada com mais de 600 atletas, nos fins de semana mais movimentados tínhamos 30 equipas a sair para as mais diversas competições. Este ano a coisa não será diferente”.
“O mais gratificante” – assegura – “é ver o clube crescer”. Isso e manter uma situação financeira saudável: “Somos uma instituição de utilidade pública, temos as contas em dia e gerir tudo isto, como podem suspeitar, não é fácil”. Não o seria para quem se dedicasse à tarefa a tempo inteiro. Muito menos o é para quem tem uma vida profissional intensa, no exercício da medicina. “Ainda hoje, saí da urgência e vim diretamente para o estádio”, desabafa, momentos depois do início da entrevista, num dos dias mais quentes deste mês de agosto.
Move-o o gosto pelo tal “futebol associativo”, mas também a constatação do papel social do desporto. “Para os miúdos, o convívio com crianças da mesma idade, num contexto destes, dá-lhes ensinamentos para o resto da vida e, nos dias que correm, tirá-los de casa, terem amigos que não são virtuais, praticarem desporto, tudo isso é [melhor] saúde mental. Acresce que o filho do rico e o do pobre participam no mesmo jogo, defendem o mesmo emblema e a mesma baliza”.
É um sentimento de “comunhão” e de “pertença” que António Sousa estende aos jogadores das equipas seniores, até aos futebolistas do plantel principal, muitos deles provenientes de outras regiões, até de outros países. “Ainda no final desta época” – conta – “os jogadores que não ficaram choraram porque iam deixar o clube, outros choraram porque ficaram, e isto diz bem da forma como se sentem tratados. Imagine o sentimento de um pai que vive em Cabo Verde ou na Guiné e cujo filho, de 23 ou 24 anos, está aqui a jogar. Quererá que seja bem tratado, que se tiver algum problema alguém o ajude, e eles sentem isso, são miúdos inteligentes, que já passaram por agruras na vida. Não lhes pagamos os melhores ordenados, mas pagamos”.
Neste contexto, o novo estádio surge como prenúncio de um “novo mundo” na vida do clube. A Federação Portuguesa de Futebol já deu “luz verde” para a sua utilização – “ficaram contentíssimos com o que viram” – e as condições de segurança também estão certificadas. A inauguração ocorrerá no próximo dia 4 de outubro.
“Há um orgulho muito grande em todo este projeto, na conclusão de um trabalho que envolveu muita gente da direção, os atuais dirigentes e outros que estiveram comigo e com o Nelson Jarreta no início do processo, nomeadamente o Francisco Figueira, o Sérgio Cartaxo e o Jaime Carvalho. Conseguimos levar o barco a bom porto e está aqui uma oportunidade não só para o Juventude, como para a cidade”, acrescenta.
A história do novo estádio remonta a 2019, quando a empresa proprietária do supermercado Lidl contactou o clube com uma proposta surpreendente: pretendiam construir uma nova loja no espaço do Estádio Sanches de Miranda; em troca financiariam a construção de um novo estádio, noutro local, e havia abertura para negociar mais contrapartidas. “Na altura aquilo chocou-nos, pois era um modelo [de negócio] que a gente nem conhecia”.
Pior: noutros casos, como o Futebol Benfica ou o Espinho, a coisa até não tinha corrido bem pois “não houve capacidade dos intervenientes para se articularem”. Ainda assim, a ideia ficou, e foi percorrendo caminho, entre o momento do “choque” inicial e o constatar de uma oportunidade.
“Convocámos uma assembleia-geral extraordinária, não deliberativa, para informar os sócios sobre o que estava a acontecer e ouvir as suas opiniões. Curiosamente, e ao contrário dos nossos receios, os mais antigos foram os mais entusiastas da ideia”, lembra o presidente do Juventude, acrescentando que, a partir daí, começaram a ser estudadas alternativas para a construção do novo estádio.
Durante meses esteve sobre a mesa a possibilidade de construir no local onde se encontra o campo sintético, mas o espaço era curto. Depois, veio a pandemia de covid-19, o confinamento, a perda de contactos. “Houve uma altura em que tivemos de perguntar ao Lidl se a proposta ainda estava em cima da mesa”. Estava. E prestes a avançar num terreno próximo do Évora Plaza, numa zona de expansão da cidade.
Agora, pronto a inaugurar, o novo estádio tem uma bancada coberta com capacidade para 2.500 pessoas, outra descoberta com mais 500 lugares, quatro balneários, auditório, ginásio, um espaço para o museu do clube, restaurante e parques de estacionamentos. Numa segunda fase poderá crescer até aos cinco mil lugares, com uma condição: “a vista para a Sé, uma das mais fabulosas dos nossos campos de futebol, não pode ser prejudicada”.
O relvado foi produzido por uma empresa cuja carteira de clientes tem, entre outros, o Real Madrid. A iluminação permite a transmissão notur- na de jogos de futebol. “A FPF tem previsto instalar aqui uma das equipas do Mundial de 2030, e uma outra do Europeu feminino de 2029, já passámos as duas short list e resta-nos aguardar a decisão”, revela António Sousa, enfatizando o papel do Juventude de Évora na promoção da cidade e da atividade desportiva. “Estamos comprometidos com o desenvolvimento de Évora e isso está, cada vez mais, à vista das pessoas.
ANTÓNIO SOUSA
Diz-se “um pouco frio, e mais racional”, mas houve momentos, confessa António Sousa, em que a emoção foi difícil de conter. “De início, quando vinha do hospital e passava ali pela circular, houve momentos em que me chegaram as lágrimas aos olhos ao ver bancada a ser erguida, ou as torres”. Por esta altura, com a obra pronta, contam-se os dias para a inauguração.











