“Sabe, costumo dizer que faço o que gosto e gosto do que faço”. António Palrão, 65 anos, é um homem feliz. Magoado, mas feliz. Magoado com o “seu” partido de sempre, o PS, do qual se demitiu após uma militância de 48 anos. E feliz porque essa demissão acabou por lhe abrir as portas ao exercício da atividade política, como presidente da Junta de Freguesia de Fronteira. “Estou muito grato à população que me elegeu. Como não podemos fazer grandes obras, fazemos obras de outro tipo, que só aparentemente são menores”. Chama-lhe “política de proximidade”. E, vá lá, também de afetos.
O que se traduz, por exemplo, na criação da Academia Sénior, na atribuição de um subsídio de 250 euros a todos os alunos que estejam a estudar no ensino superior – “não é muito, mas é uma ajuda” -, ou na criação do orçamento participativo, que permitiu direcionar 3000 euros para a compra de “ajudas técnicas”, como cadeiras de rodas ou camas articuladas.
“Essa proposta foi apresentada por um cidadãos, o Dr.º João Martins, e traduz-se num legado para quem precisa”, lembra António Palrão, que telefona a todos os fregueses em caso de doença grave, ou entrega um ramo de flores às famílias enlutadas. “É um gesto que tem um grande significado num momento de dor e, afinal de contas, a morte de um fronteirense representa uma perda para todos”, refere.
O seu “divórcio” do PS aconteceu em 2021, poucos meses antes das eleições autárquicas. Em junho do ano anterior tinha sido convidado para liderar a candidatura socialista à Junta de Freguesia de Fronteira, mas o processo sofreu uma “reviravolta” quando o candidato do partido a presidente da Câmara entendeu que, afinal, não seria ele “a pessoa indicada” para assegurar um bom resultado. Estava enganado.
“Algumas pessoas que eu já tinha desafiado para me acompanharem na candidatura aceitaram ser desconvidadas, mas outras começaram a falar na constituição de uma lista independente”, lembra António Palrão, acrescentando que, tudo ponderado, decidiu desfiliar-se do PS e avançar para a Junta. Ganhou com 45,19% dos votos, cinco vezes mais do que os do candidato socialista.
“Ninguém se candidata para perder, mas não dava nada por garantido”, diz o autarca, nascido no vizinho concelho de Sousel há 65 anos. Quis o destino que a família se mudasse para Fronteira, tinha o rapaz nove anos. O pai, motorista, começou por encontrar trabalho no “Bernardo das Camionetas”, que vendia materiais de construção, depois foi taxista e acabou empregado em casas agrícolas. O filho estudava. Concluída a quarta classe, seguiu-se o Externato Rainha Santa Isabel; o sétimo ano já foi “tirado” em Lisboa, onde chegou na “ressaca” do 25 de Abril.
Estudava à noite e durante o dia procurava trabalho, mas o que lhe agradava mesmo era a intensa agitação política. “Foi como tirar a rolha a uma garrafa de espumante”, brinca. “No 25 de novembro, com aquilo tudo em estado de sítio, lembro-me de andar a correr à frente da polícia com uma amigas do MRPP”. A extrema-esquerda, no entanto, dizia-lhe pouco. Acabou por se tornar militante socialista pela mão de José Branco, um dos fundadores do partido em Fronteira. “O PS tinha sede aqui na vila, na Rua de Avis, e isso para mim era importante. Íamos para lá ler o ‘Ação Socialista’, que também distribuía pelos militantes”.
Pelo meio, recorda com nostalgia a Associação Fronteirense de Atividades Culturais, onde se iniciou no teatro amador, impulsionado na terra por José Manuel Loureiro, tendo começado a sua carreira profissional como escriturário datilógrafo de segunda classe na Câmara de Fronteira. Estávamos em 1979 e já tinha “muitos quilómetros” palmilhados a distribuir programas eleitorais, de porta em porta. “Passados três meses fui chamado para a tropa”. Cumprido o serviço militar, em 1982 estreia-se como candidato autárquico, o segundo na lista do PS à Câmara de Fronteira. Os socialistas ganham e António Palrão assume o pelouro da cultura e do desporto.
“Tenho boas memórias desse período. Não havia os apoios que hoje existem, muito menos fundos comunitários, mas foi nessa altura que ocorreu a construção e inauguração da primeira biblioteca municipal e do pavilhão gimnodesportivo”. Ainda assim, as eleições de 85 marcam um momento de viragem, com a vitória do PSD. Em 89 é cabeça-de-lista à Câmara, mas a “muita oposição” no interior do próprio PS não lhe permitiu ir além dos 803 votos, numas eleições ganhas pela CDU.
Casado e pai de trigémeos, regressa a Lisboa, primeiro para trabalhar numa empresa do sogro, depois na restauração: Casino do Estoril, Ritz, Penta, sempre mantendo a atividade partidária. O regresso a Fronteira ocorre em 2013, já reformado. Passados 10 anos, sorridente, diz fazer o que gosta e gostar do que faz.