Passados 10 meses do anúncio de que Évora será Capital Europeia da Cultura em 2027, o modelo de governação continua por definir. Em reunião de Câmara, em dezembro do ano passado, o presidente da autarquia revelou que a gestão seria assegurada por uma associação, “na qual a Câmara terá uma participação determinante, mas a Câmara não é a dona da candidatura e não será ela a implementá-la”.
Depois, em junho deste ano, a coordenadora da equipa de missão, Paula Mota Garcia, admitiu a possibilidade de vir a ser constituída uma sociedade anónima, garantindo que até ao início de agosto estaria definido o modelo da “estrutura de gestão que vai gerir todo o processo, começar a implementar os projetos e chamar as pessoas”.
Passou agosto, setembro já lá vai, e agora, em declarações à “Alentejo Ilustrado”, o presidente da Câmara, Carlos Pinto de Sá, confirma que, afinal, será mesmo uma associação a assumir a responsabilidade do projeto, perspetivando a sua constituição “até final” deste ano.
A associação, revela, será formada pelas oito entidades que constituem a comissão executiva da candidatura: Câmara, Direção Regional de Cultura do Alentejo, Universidade de Évora, Entidade Regional de Turismo, Agência Regional de Turismo, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e Fundação Eugénio de Almeida.
“A dúvida que se colocou é se a associação poderia ser criada através de decreto-lei ou se seria de carácter privado. Está acordado com o Governo que será uma associação de direito público”, diz o autarca, acrescentando que em outubro deverão ficar fechados os estatutos, “para cumprirmos o calendário previsto”.
Uma das preocupações prende-se com o futuro Centro Cultural de Utilizações Múltiplas [pavilhão multiusos], a construir nas proximidades das Portas de Avis, que será o investimento mais elevado no âmbito da candidatura: 12 milhões de euros. “É um projeto que será complicado do ponto de vista da sua concretização, até do financiamento, pois necessita de garantias adicionais”, reconhece o autarca, revelando que a ideia será lançar um concurso para conceção [arquitetura] e construção, “uma vez que precisamos de ganhar tempo”.
A cumprirem-se os prazos apontados por Carlos Pinto de Sá, só nos primeiros meses do próximo ano é que o município estará em condições de lançar o concurso público internacional para um projeto que classifica de “bastante complexo”.
Pela mesma altura, “primeiros meses de 2024”, deverão ser conhecidos quais os projetos apresentados pelos agentes culturais que irão integrar a programação da Capital Europeia da Cultura. Isto, claro, se o prazo indicado pelo presidente da Câmara se cumprir: “Pretendemos que os convites [para apresentação de propostas] arranquem ainda este ano, de forma a que as possamos receber no início do ano e configurar que se inserem no espírito da candidatura. É um trabalho que está a ser desenvolvido e que terá visibilidade já em 2024”.
De acordo com o dossiê de candidatura, haverá três open calls (denominadas “A Nossa Voz”, “A Nossa Vez” e “O Nosso Festival”) , num investimento global de 3,3 milhões de euros destinado a financiar 54 projetos “de pequena e média escala”.
A ideia é promover “a participação de todos os intervenientes relevantes na cidade e assegurar que todos foram convidados e envolvidos”, refere a mesma fonte, acrescentando que o processo visa “apoiar festivais de base regional na criação de algo inovador com novos parceiros europeus, em linha com o conceito de vagar, mas também envolver as escolas, desenvolvendo metodologias especiais de trabalho com alunos e professores, e apoiar a cena cultural local independente para aumentar a sua capacidade de produção”.
Desta forma, a Capital Europeia de Cultura pretende gerar “um impacto significativo e duradouro nos artistas, técnicos, produtores, públicos, e na coevolução cultural e social da região”, aspecto que assume “particular relevância” dada a “fragilidade de Évora e do setor cultural e artístico alentejano”.
Seguir-se-á o lançamento, em 2025, de um outro concurso, este internacional, com um envelope financeiro mais robusto (seis milhões de euros) para “completar o programa artístico”, sendo o processo de seleção entregue ao diretor artístico e a curadores de diferentes áreas.
Carlos Pinto de Sá lembra que já há agentes locais envolvidos no Évora/27, tendo “participado” em projetos incluídos no dossiê de candidatura. A matéria é “complexa”. Um exemplo é o da Companhia de Dança Contemporânea de Évora, dirigida por Nélia Pinheiro, que lamentou “não ter sido consultada” sobre o projeto de criação do Centro Nacional de Dança, em Évora, dirigido pelos coreógrafos Vera Mantero e João dos Santos Martins e pela investigadora e curadora Liliana Coutinho, e apresentado como um dos principais “pilares” daquela que será a programação da Capital Europeia da Cultura.
Este Centro ficará instalado no antigo Núcleo de Seleção e Armazenagem de Sementes de Évora, e apresenta-se como “um espaço onde coreógrafos, bailarinos, investigadores e público em geral possam mergulhar nesta disciplina artística através de residências, formação, investigação, performances, palestras e conferências”. Envolve um investimento de 900 mil euros.
Entre os projetos “mais robustos” de Évora/27 inclui-se a reabilitação da antiga estação rodoviária, num investimento de dois milhões de euros, para sede da Casa da Memória, e do Mosteiro de São Bento de Cástris (três milhões de euros), onde será instalado o Centro de Documentação e de Interpretação da Música da Sé de Évora, num projeto liderado pelo Eborae Música e pelo Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical/Universidade NOVA de Lisboa.
A “missão” deste novo Centro inclui “a digitalização de peças de cerca de 13 compositores dos séculos XVI e XVII e o desenvolvimento de investigação sobre cada [um deles] e as suas ligações ao resto do mundo, desafiando novos compositores a reinterpretar” estes temas.
A primeira edição da Guadiana – Bienal de Literatura Afro-Ibero-Americana, com curadoria de Antonio Saez-Delgado e da argentina Gabriela Harac, chegou a estar prevista para este ano, estando agora anunciada para 2025, para “celebrar os escritores e leitores de língua portuguesa e castelhana”.
Já para “captar o vagar”, a Capital Europeia da Cultura tem orçamentados 750 mil euros para financiar um projeto liderado pelo realizador Tiago Guedes, que convidou outros quatro realizadores (Chloé Zhao, Alice Diop, Lynne Ramsay e Lorenzo Vigas) a fazerem cinco curtas-metragens destinadas a reflectir sobre “de que forma o passado e o tempo influenciaram o vagar em diferentes regiões e cidades da Europa”. Segundo o dossiê de candidatura, “este será um projeto para o legado do Alentejo ao resto do mundo que pretende inspirar o diálogo entre diferentes lugares”.