Comecemos pelo princípio, ainda que neste caso o princípio sejam 223 anos depois do verdadeiro princípio da questão, 1801, quando através do Tratado de Badajoz, denunciado por Portugal em 1808, o território de Olivença foi anexado a Espanha. Então, 223 anos depois, eis o ministro da Defesa, Nuno Melo, em Estremoz, na cerimónia de aniversário do Regimento de Cavalaria N.º 3, justamente conhecido por “Dragões de Olivença”, a reivindicar a soberania portuguesa sobre aquele território.
As comemorações decorreram como previsto: continência da guarda de honra no quartel, acompanhada por salvas de artilharia, a que se seguiu uma cerimónia militar no Rossio Marquês de Pombal, o ponto alto.
“Tenho um enorme carinho por esta instituição, pois aqui entrei como alferes depois de sair da Academia Militar”, disse o ministro aos jornalistas. “O sentido de honra com que me apresento como ministro da Defesa neste regimento que é histórico, desta belíssima cidade de Estremoz, não é maior do que o sentido de honra com que atravessei aquela porta de armas há 32 anos, enquanto jovem oficial de cavalaria”, acrescentou.
Até aqui nada a registar, tudo de acordo com o protocolo. Até que surgiu uma pergunta sobre Olivença, a tal que rapidamente estaria nas televisões portuguesas, no debate político e mediático, e que saltaria para os jornais internacionais. Nuno Melo não resistiu: “A questão não é de ontem, é de hoje. Olivença é portuguesa, naturalmente, e [dizer isto] não é provocação nenhuma”.
Estava dito. O ministro, que depois esclareceu ter falado não enquanto governante, mas enquanto presidente do CDS, acrescentaria ainda que, “por alguma razão”, o Regimento de Cavalaria de Estremoz é conhecido por “Dragões de Olivença”, e garantiu que esta sua posição nem sequer é nova, uma vez que terá sido “assumida” quando exerceu funções como deputado europeu.
“Fi-lo, desde logo, no Parlamento Europeu, em questões colocadas, mas enfim… a realpolitik é a realpolitik, o que não invalida a expressão dos direitos e, quando estes são justos, deles não se abdica”. Assim, na sua opinião, Olivença “deverá ser entregue” ao Estado português, que “não reconhece aquele território” como sendo espanhol.
Foi o “ressuscitar de um debate quase esquecido”, como escreve este fim de semana o jornal “El Pais”, relatando que em Olivença a “controvérsia” provocada pelas declarações do ministro foram recebidas com alheamento.
“As relações atuais entre os habitantes da Raia, a fronteira hispano-portuguesa”, escreve o jornal, “é tão normal como a de qualquer outro lugar da linha que separa os dois países”, até porque “muitos espanhóis vão trabalhar, comprar ou passar tempos de ócio a localidades portuguesas, e vice-versa”.
“El Pais” cita no entanto declarações do alcaide de Olivença, Manuel José González Andrade, segundo as quais as palavras de Nuno Melo, “tanto na forma como no conteúdo são inaceitáveis”. Aproveita o alcaide para elevar a fasquia: mais do que espanhola ou portuguesa, Olivença “é a capital ibérica” pois resulta do “nexo de união ente os dois países”.
Também o londrino “The Times” se referiu ao assunto. O título do artigo é mais assertivo: “Disputa na fronteira é reavivada enquanto Portugal exige a devolução da cidade a Espanha”. Lembra o jornalista que “os ativistas portugueses há muito comparam a sua reivindicação a Olivenza, ou Olivença em português, à reivindicação de soberania da Espanha sobre o território ultramarino britânico de Gibraltar”.