Eis os edredons de lã de borrego. Projeto inovador lançado em Sousel

De problema ambiental a matéria-prima sustentável, a lã de borrego deixou de ser uma dor de cabeça para os produtores de ovinos. Em Sousel nasceu a Lãmb, apostada no fabrico de edredons. É disto que se fala, quando se fala de economia circular. Luís Godinho (texto)

A ideia começou a ganhar forma durante uma conversa de Luís Rebola, economista, com um pastor, na estrada entre Sousel e Estremoz. Contava o guardador de rebanhos que se via forçado a queimar a lã, cujo valor nem sequer chega para pagar a tosquia dos animais. “Comecei a pensar como seria possível uma matéria-prima tão valiosa, como a lã, usada há milénios, ser considerada um desperdício”, conta Luís Rebola, nascido no Porto, mas com raízes familiares em Sousel.

Formado em economia, com um percurso profissional que passou por Lisboa e pelo Brasil, Luís Rebola fixou-se em Sousel há dois anos, apostou na consultoria de empresas e em projetos de desenvolvimento pessoal, até que o seu caminho se cruzou com o do tal pastor e desse encontro surgiu uma reflexão e dessa reflexão nasceu um projeto empresarial, como adiante se explicará.

Antes começou a fazer perguntas. Constatou que o caso não era isolado, pelo contrário, todos os pequenos produtores de ovinos se debatiam com “o problema da lã”, queimada por uns, enterrada por outros, ou até por vezes colocada em sacos pretos, escondidos no meio do lixo urbano.

Encontrou também sinais de esperança, casos concretos de utilização desta lã enquanto matéria-prima. Por exemplo, em Urubici, município de 11 mil habitantes no estado de Santa Catarina, no Brasil, onde a 26 de junho de 1996 foram registados uns impressionantes 17,8 graus Celsius negativos, o que faz desta a terra “mais fria” do país. E onde, vejam-se os caminhos do acaso, a mulher do prefeito criou uma associação para dar trabalho a mulheres com problemas de inserção profissional, dedicando-se ao fabrico de edredons com lã de ovelha.

“Comecei a falar com essas mulheres e a pensar no que poderia ser um processo de fabrico menos artesanal que o delas. Desenvolvi o projeto e fui apresentá-lo à Pasto Alentejano, um dos maiores produtores de carne de borrego do país, cuja sede é em Sousel”, lembra Luís Rebola.

“Disseram-me que se tratava de um problema enorme e que queriam fazer parte da solução para o resolver”, acrescenta o economista, que acabou contratado pela empresa como consultor externo. Estava iniciado o processo que haveria de conduzir ao nascimento da marca Lãmb, cujo primeiro produto é um edredom de lã orgânica 100% pura. “Para noites de sono aconchegantes, sem contar carneirinhos”, garante a empresa.

Existindo lã em abundância, havia no então outros problemas por resolver. “Uma das questões era saber como é que se poderia lavar a lã, tendo em conta que muitas empresas deste sector já fecharam. Chegámos a uma empresa na Guarda que o faz de forma ecológica e isso é muito importante, pois trata-se de um projeto desenhado com preocupações de sustentabilidade”, conta o promotor, economista com trabalho em grandes multinacionais e na área do marketing, mas cujo conhecimento específico sobre o mercado da lã era, à época, pouco mais que nulo.

Já lavada e em tufos, a lã sai da Guarda em direção à Trofa, onde é feito o agulhamento, ou seja, a transformação dos tufos de lã num manto uniforme, com a altura e a densidade desejada. Sucede que essa empresa dedica-se, sobretudo, ao “agulhamento de sintéticos”, apenas trabalhando a lã de dois em dois meses, dado tratar-se de um mercado “residual”. O próximo processo de agulhamento de lã seria em novembro, pelo que era necessário acelerar o processo.

“Foi o tempo de montar tudo”, conta Luís Rebola, que por esta altura já tinha falado com o presidente da Câmara de Sousel, Manuel Valério, no sentido de obter algum apoio para o projeto. “Foi o presidente quem, primeiro, me encaminhou para a Pasto Alentejano e, depois, manifestou a intenção de comprar os primeiros 100 edredons para oferecer, antes do Natal, aos lares da terceira idade”. Com uma data-limite para executar o projeto, ainda foi necessário “fazer o acolchoamento, o que sucedeu em Guimarães, tratar dos acabamentos finais e etiquetar”.

O resultado final é um “edredon de lã pura, de borrego, lavada num processo ecológico, com uma capa de algodão puro e com todas as características da lã”, usada pelos seres humanos “desde há cerca de seis mil anos”. Por características entenda-se um “isolamento térmico ao nível dos produtos mais caros do segmento, como as penas”, com a vantagem de se tratar de uma matéria-prima que resulta da economia circular, cuja obtenção não origina quaisquer maus-tratos.

“A tosquia não maltrata os animais”, refere Luís Rebola, assinalando outra característica “interessante” desta matéria-prima: “Absorve até 30% do seu peso em humidade”. Dito de outra forma: “A lã tem capacidade para absorver a transpiração e é por isso que ajuda as pessoas a dormirem melhor”.

SOLUÇÃO SUSTENTÁVEL

Responsável pela comunicação na Pasto Alentejano, Tiago Serralheiro confirma que a lã “não tem preço para o produtor, nem sequer chega para cobrir os custos com a tosquia”, pelo que o projeto agora inaugurado permite “tirar proveito do bem-estar animal, ou seja, da tosquia, para promover a economia circular”.

Segundo refere, a empresa “de- senvolveu uma solução empresarial para um problema transversal ao sector”. Os primeiros 500 edredons estão feitos. A ideia, refere, “é aumentar a produção”, com o foco especial na hotelaria. A exportação será o passo seguinte, de olhos postos nos mercados do norte da Europa.

Partilhar artigo:

ASSINE AQUI A SUA REVISTA

Opinião

PUBLICIDADE

© 2024 Alentejo Ilustrado. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por WebTech.

Assinar revista

Apoie o jornalismo independente. Assine a Alentejo Ilustrado durante um ano, por 30,00 euros (IVA e portes incluídos)

Pesquisar artigo

Procurar