Rui Garrido, presidente da Associação de Agricultores do Sul (ACOS), entidade organizadora da Ovibeja, destaca a importância do evento para o sector agrícola em Portugal. Este ano, o tema central “+ Agricultura + Futuro” enfatiza a necessidade de atrair jovens para um sector que se tornou mais desafiante e exigente, sobretudo devido à introdução das novas tecnologias.
O papel da agricultura na economia global, a segurança alimentar e a preservação ambiental serão temas centrais de debate, consolidando a feira como uma plataforma estratégica para o futuro da agricultura, ao mesmo tempo que promove a agricultura, o desenvolvimento rural e a região Alentejo, num evento que “tem como principais metas a inovação e a sustentabilidade refletindo a necessidade de práticas agrícolas que conciliem produtividade e responsabilidade ecológica”.
“Num contexto de mudanças climáticas”, refere a entidade organizadora, a Ovibeja “destaca a importância de a agricultura se posicionar como um agente de transformação, que garante a produção de alimentos, mas também a preservação dos ecossistemas e a promoção da segurança alimentar. Assim como autonomia dos territórios e o fortalecimento das comunidades, reforçando a importância de estratégias agrícolas sustentáveis e resilientes”.
A Ovibeja é um evento âncora do sector agrícola. Um espaço de diálogo, de encontros e de partilha de conhecimento. O que está programado para esta 41.ª edição?
Voltaremos a ter uma feira que dura cinco dias. Este ano a temática será “+ Agricultura + Futuro” e isso coloca em evidência a renovação geracional. Os agricultores estão cada vez mais velhos e entra pouca gente nova para este sector. Inverter esta tendência é um dos nossos grandes desafios. A Associação de Jovens Agricultores de Portugal (AJAP) organizará um seminário sobre este tema. Depois, teremos debates sobre outras preocupações relacionadas com o facto de a população mundial estar a crescer, daí decorrendo o desafio do agricultor conseguir produzir cada vez mais alimentos de forma sustentável. Isso implica uma ligação muito forte entre agricultores, empresários e investigadores, pois a ciência poderá dar um grande contributo a este desígnio. As novas tecnologias terão um papel fundamental para enfrentarmos este desafio de produzir mais, fazendo-o de forma sustentável. Os ‘drones’, por exemplo, são cada vez mais utilizados na agricultura. Vamos ter também intervenções na área do regadio, do sequeiro, no âmbito da agropecuária, e do olival.
Qual é a adesão dos expositores e quantos visitantes esperam nesta edição?
Desde cedo que se notou haver uma forte adesão e, este ano, teremos novos expositores e novos patrocinadores. Quanto a expositores, serão mais de mil. Na última Ovibeja tivemos quase 200 mil visitantes e nesta edição, apesar de termos menos um dia, estamos otimistas em atingir ou superar esse número de visitantes. Teremos um pavilhão dedicado às novas tecnologias, com mais dinâmica, e o [já tradicional] Comboio do Cante, que consiste num encontro entre cantadores da zona de Lisboa que vêm à Ovibeja cantar e encontrar-se com as respetivas famílias e amigos. Imagino que os partidos políticos também estejam representados, ainda por cima porque a data das eleições legislativas estará próxima, e queremos deixar claro que são todos bem-vindos. Este convite, que fazemos todos os anos, é também uma forma que encontrámos para discutir os problemas da agricultura, sugerindo medidas necessárias à viabilidade do sector.
A ACOS é a entidade organizadora da Ovibeja. Em termos de financiamento, como funciona?
Temos os patrocinadores, a bilheteira e a venda de espaços, e com isto esperamos cobrir todas as despesas. Por exemplo, no ano passado, posso dizer que excedemo-nos no orçamento e não conseguimos fazer face às despesas. Assumimos isso e este ano estamos a tentar corrigir. A feira é fundamental para a região, para o país e para a agricultura. A Associação de Agricultores do Sul (ACOS), enquanto for viva, vai continuar a organizar a Ovibeja. Queremos manter o patamar elevado que já atingimos em termos de qualidade e esse é o nosso objetivo [central].
Têm algum apoio da autarquia?
A feira faz-se com muita gente e a Câmara Municipal de Beja também nos dá algum apoio. Este ano combinámos programar o Dia Aberto, que será precisamente o primeiro dia de feira, em que as entradas serão grátis até às 20h00… isto é, as entradas serão oferecidas pela Câmara de Beja até um número limite de bilhetes.
Quais são as exposições e os colóquios que destaca este ano?
No Pavilhão dos Sabores onde, anteriormente, estavam expostos os vinhos e os queijos, teremos um expositor do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), logo a seguir estará o espaço dedicado ao Concurso Internacional de Azeite, o único concurso internacional deste produto [realizado em Portugal]. No nosso auditório estará instalada uma exposição dedicada à inteligência artificial e às novas tecnologias. Teremos vários seminários por dia e a nossa preocupação foi não sobrepor os colóquios de sequeiro e de regadio, pensando no público-alvo. Não podemos esquecer que as explorações de agropecuária de sequeiro e a floresta ocupam 85% do Alentejo e todos os anos dedicamos um espaço relevante a esta área.
“Comunicar, um grande desafio para a agricultura” – foi este o tema da 39.ª edição. Acredita que parte do futuro da agricultura passa por melhorar a forma de comunicar do sector?
Na verdade, o tema da comunicação conti- nua a estar na ordem do dia. O nosso sector tem tendência a comunicar mal ou a não comunicar. No entanto, cabe-nos abordar este grande tema e há sempre alguma coisa que vai ficando. Há outro aspeto em que o sector tem de melhorar, o da comercialização. Por exemplo, nós temos os melhores olivais aqui na nossa região e quem sabe disto? Vender melhor passa por comunicar melhor e este continua a ser um desafio para o agricultor e para as associações representativas do sector. Pretendemos estreitar laços entre o campo e a cidade e transmitir às pessoas a importância do agricultor que nos garante a alimentação, um bem básico sem o qual nada mais acontece. Também demonstrar o impacto que a agricultura tem na fixação de pessoas no território e, por outro lado, estimular a comunicação interna, que acontece no próprio sector, entre o agricultor e as associações por forma a facilitar a transferência de conhecimento, sobretudo ao nível da utilização das novas tecnologias. São desafios de comunicação deste sector que, apesar de tudo, creio que tem vindo a melhorar nesta área.
Como olha para a preponderância do olival intensivo instalado nas planícies alentejanas?
Na nossa região temos o clima que temos. Tudo o que é feito com água é feito de uma forma mais intensiva. Junto ao mar aparecem mais as hortícolas, as frutas, como os morangos ou as framboesas. Aqui no interior o clima é outro e, naturalmente, temos outras culturas. Quando o agricultor converte a sua exploração de sequeiro para regadio vai, obviamente, escolher a atividade mais rentável. Um agricultor não vai investir oito ou dez mil euros por hectare para, depois, não ter retorno. Infelizmente, não temos muitas culturas ativas que sejam viáveis e o olival creio que, de momento, será a mais atrativa. Dos 130 mil hectares de regadio do Alqueva, o olival ocupa 74 mil hectares, enquanto o amendoal fica pelos 23.500 hectares. Agora, existe um inconveniente que é o olival poder transformar-se numa monocultura e esta questão, a médio prazo, pode prejudicar o sector. Mas as coisas são o que são e o agricultor tem que se ir adaptando.
Relativamente à nossa dependência externa no sector dos cereais, acredita que esta poderia ser reduzida?
Essa é uma questão preocupante e sei que brevemente haverá a apresentação de um novo plano para os cereais. Neste momento existe uma ajuda agroambiental aos cereais que parece ser pouco interessante para o agricultor. Acreditamos que esta medida será revista para que mais pessoas possam aderir à produção de cereais. Em paralelo, creio que deveriam ser criados incentivos internos para podermos mitigar esta nossa dependência.
Quais os pontos fortes e os pontos fracos que identifica no sector agrícola no Alentejo?
Temos aqui o grande projeto do Alqueva que é, desde logo, um ponto forte. O Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva mudou muito a nos- sa região. Não só em termos de paisagem, mas também no aspeto da produção agrícola… atraiu jovens qualificados para o sector. Atualmente, qualquer técnico licenciado na área agrícola, aqui no Instituto Politécnico de Beja ou na Universidade de Évora, tem emprego garantido na área. Há 25 anos isto não era assim, a maior parte dos licenciados apostava noutra carreira, ia sobretudo para o ensino. Ainda poderá existir aquela velha mentalidade de que quem escolhia ser agricultor não sabia fazer mais nada, mas hoje já se tem outra perspetiva. Cada vez mais somos vistos como fabricantes de alimentos e ambientalistas. Desejávamos que houvesse mais culturas interessantes para o agricultor fazer e isso pode passar pela implementação da agroindústria. Praticamente só temos lagares e adegas. Fazemos vinho e azeite e não temos mais nada ao nível da agroindústria. Esse é um ponto fraco na nossa região e é uma aposta que poderia constituir um fator diferenciador.
Que dar um exemplo?
Por exemplo, se um agricultor quer cultivar ervilhas, e aqui há algum regadio de ervilhas, tem a indústria no Ribatejo. Acredito que se houvesse uma ligação maior entre a produção e a indústria talvez se pudessem fazer outras culturas nesta região. Mas o Alentejo não é só o Alqueva. Existem outros perímetros de rega. Também não é só regadio. É fundamental que tenhamos a consciência de que em 85% do Alentejo estão instaladas explorações agropecuárias de sequeiro e, aqui, cabe também a floresta, que corresponde ao nosso interior mais povoado e onde é necessário haver atividade. Temos ótimos produtos como os enchidos, os presuntos, a carne, os queijos, a cortiça. Mas tem sido sempre esquecido. A nossa PAC tem esquecido aquilo que é a nossa pecuária extensiva. Queixamo-nos um pouco disso, precisamos de mais apoios. Temos de garantir que o mundo rural não se despovoa.
O que só se garante com o desenvolvi– mento da economia!
Tem de haver economia, mas não só. Há que criar condições para atrair jovens para o interior. Temos de ter bom acesso à internet, boas condições de educação e saúde para que as pessoas, e sobretudo os jovens, se fixem na nossa região. Apelamos aos nossos políticos para olharem para o mundo rural de uma forma diferente, menos economicista. Fecha-se uma estrada porque não há utilizadores, fecha-se uma linha de caminho de ferro por falta de passageiros, em vez de se construírem escolas, hospitais e centros de saúde.
Como avalia o desempenho do Ministério da Agricultura nos últimos anos?
A antiga ministra da Agricultura não estava ligada ao sector, não ouvia os agricultores e, provavelmente, também estaria mal assessorada. Tinha, por vezes, umas ideias muito fixas e, a determinada altura, reduzimos a nossa relação com o ministério à formalidade institucional. Digamos que o anterior primeiro-ministro, António Costa, também não ligava à agricultura e há dois anos não os convidámos para virem à Ovibeja porque, nitidamente, tinham atitudes que demonstravam estar de costas viradas para os agricultores. Este novo ministro tem uma postura oposta à sua antecessora. Desde logo fala connosco, ouve os agricultores. Temos a sensação de que poderia ter feito mais, esteve, por vezes, mal assessorado.
Como equilibrar a produção, a sustentabilidade e a competitividade na agricultura?
Atualmente os agricultores sabem que têm de produzir mais de forma sustentável e, se temos regadio, temos de intensificar as culturas. Lembro-me que, quando comecei a trabalhar, nas searas de trigo e de milho faziam-se aplicações de pesticidas de avião. Atualmente, guerreia-se porque se planta um olival a 50 metros de uma aldeia. Toda a gente percebe que tem de haver um equilíbrio entre a produção, a sustentabilidade ambiental e social. O melhor protetor do ambiente é o agricultor e as camadas mais jovens estão muito despertas para estas questões. Tem de haver aqui muita interligação entre a ciência e a produção. A investigação nesta área é fundamental e esta tem de chegar à produção. Apostando, por exemplo, em variedades ou raças mais resistentes, que não necessitem de tanta intervenção e que se consigam adaptar às altera- ções climáticas. Muitas vezes descobrem-se coisas, mas depois é difícil pô-las em prática. Fazer chegar o conhecimento à lavoura continua a ser um desafio, mas é esse o caminho.