“Está a nascer um novo Alentejo, tecnológico e inovador”

Presidente executivo do Parque do Alentejo de Ciência e Tecnologia (PACT), Suomodip Sarkar diz que o objetivo era atingir a ocupação plena em três anos. Afinal, bastaram três meses. Estão ali instaladas 64 empresas, com mais de 550 trabalhadores e que representam uma faturação superior a 50 milhões de euros. Ana Luísa Delgado (texto)

A construção do PACT correu de forma rápida, numa região onde os projetos demoram muito a executar. Qual foi o segredo? 

É uma boa pergunta… fui quase obrigado a assumir o PACT logo no arranque, comecei a receber pedidos de empresas, algumas internacionais, também tenho bons contactos por ser investigador, perguntavam se havia espaço, pois queriam instalar-se, perguntavam sobre o nosso modelo de funcionamento. Bom, continuamos com várias debilidades, por exemplo em termos de habitação. Há empresas que não têm espaço para alojarem os seus funcionários. Foi nessa altura que disse à reitora da Universidade de Évora [Ana Costa Freitas] que o meu trabalho estava feito…

A primeira fase?

Sim, estava arrumada. Então disse-lhe para fazermos o edifício 2.0, que nasceu ao lado. E depois o 3.0, agora inaugurado. Tudo isto com muito apoio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo, e em particular do seu presidente António Ceia da Silva, que perceberam o que estávamos a tentar fazer e deram-nos apoio. Uma parte é financiada, a outra não é. A filosofia foi fazer bem feito, desde logo o edifício, um belíssimo trabalho do arquiteto Carrilho da Graça. É um trabalho fora de série. Quem diria no Alentejo que podíamos ter uma estrutura assim?

E quais foram as maiores dificuldades que foi encontrando ao longo do tempo?

Mesmo agora, todos os dias há dificuldades. Aliás, um bom dia para mim é quando não tenho nenhuma má notícia.

Como por exemplo?

Executar o próprio projeto, fazê-lo dentro do prazo estipulado. A Ana Luísa Delgado sabe que o lema da Capital Europeia da Cultura é o “vagar”. É uma lema que admiro, mas acho que as pessoas não o podem levar à letra. O conceito de irmos fazer com calma, não é possível num projeto como este. Temos de abrir concursos, seguir os procedimentos legais e formais, cumprir os prazos estipulados e o orçamento, encontrar um empreiteiro que conheça e perceba o projeto do arquiteto, tudo isto com grandes exigências. E, depois, foi necessário angariar fundos próprios.

Cerca de dois milhões de euros?

Dois milhões e meio, ou mais, relativos ao cofinanciamento. No Alentejo, a ideia de uma parceria entre o setor público e o privado neste tipo de projetos não existe, ou quase não existe. Depois tive de falar com empresas, como a Jerónimo Martins, a KPMG e outras, tive de lhes explicar muito bem o projeto, pois o PACT não são só tijolos. Estamos a falar de uma visão totalmente diferente para o Alentejo, para um Alentejo mais tecnológico e inovador. Isso foi outro desafio, que conseguimos ultrapassar. Também já conseguimos garantir o nosso cofinanciamento.

Há aqui uma aposta em empresas de grande dimensão.

E que tenham também alguma visão, que nos ajudem a criar o ecossistema do PACT. Isto não é um centro de negócios, não estou a trabalhar para que o seja. Uma empresa que aqui se instala está a tentar contribuir para a região de uma forma direta, não apenas por via de emprego. Sim, temos criação de emprego altamente qualificado, mas também ligações à Universidade de Évora, aos Politécnicos de Beja e de Portalegre, e a outras empresas, é por isso que lhe chamo um ecossistema. Digo às empresas que quero que venham, mas com condições.

Por que é que o Alentejo tem condições para ser, como diz, um outro silicon valley?

Porque há um grande interesse à volta de Portugal, por parte de empresas internacionais, de startups, de nómadas digitais e Lisboa já está no limite em termos de espaço, do que pode oferecer e de recursos humanos. Uma das razões é esta: no Alentejo estamos muito próximo de Lisboa e, se tudo correr bem, ficaremos em Évora com uma ligação de alta velocidade. Tudo isso representa uma oportunidade genérica para nós. Mas o Alentejo tem muito mais além disso.

Quer exemplificar?

As empresas, as startups que conheço, procuram qualidade de vida. E o Alentejo tem uma qualidade de vida fantástica, tem gastronomia, tem não sei quantos sítios classificados como Património Mundial, temos muito espaço, zonas verdes, montado… temos praias, temos tudo. É neste contexto que temos uma oportunidade de construir um silicon valley. Também porque o custo de vida é menor que no litoral, todo o contexto histórico… gosto de brincar com o melhor vinho tinto do mundo, mas temos uma boa qualidade de vida.

Embora em Évora, por exemplo, seja difí- cil encontrar habitação.

Por isso eu disse que essa oportunidade existe, havendo condições certas para a aproveitar. Uma das condições é a existência de casas a preço razoável, mas isso é a lei do mercado. Sei que a Câmara está consciente do problema e está a fazer o que pode. Também tenho uma ideia para apresentar, uma pequena solução, que é a habitação coliving, um projeto que está na minha cabeça e que gostava de implementar.

De que se trata?

É uma mistura de cowork e apartamentos T0 ou T1 para empresas, mas sem fins lucrativos. Talvez se possa fazer, entre a Câmara e o PACT.

Então o que falta?

Existe vontade, mas não existe terreno e isso demora tempo. O aumento da procura por habitação coloca maior pressão sobre as câmaras, sobre a Universidade e sobre os politécnicos. Outra das razões para uma empresa se instalar num local, e não noutro, tem a ver com a quantidade e qualidade dos alunos, por exemplo, na área de informática. Nós temos a qualidade, mas não temos quantidade suficiente para a procura que há, e para o tipo de empresa que estou a atrair. Isto também é algo que não consigo resolver de forma imediata.

Disse que as empresas aqui instaladas já representam um volume de faturação na ordem dos 50 milhões de euros…

Sim, 64 empresas, 550 postos de trabalho e um volume de faturação de 50 milhões, que suspeito ser, na realidade, bem superior e esse valor, a que cheguei com base num inquérito realizado no PACT. Ora, há empresas como o CEiiA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento, cuja empresa mãe está em Matosinhos, outras como a TE Connectivity cujo valor não foi apurado. Temos também aqui a KPMG ou a NTT Data, enfim, empresas de referência a nível mundial que se instalaram em Évora.

A procura foi rápida?

Grande e rápida, pois o meu plano original era conseguir esgotar a capacidade do PACT em três anos. Essa meta foi atingida passados três meses, em fevereiro deste ano. Já conseguiram cumprir as metas definidas, que passam por deixar apenas 10% de espaço para empresas estratégicas internacionais. Tudo o resto está ocupado.

É um novo Alentejo que está a nascer?

Sem dúvida. Esse é o lema, um novo Alentejo, tecnológico e inovador, reconhecido em todo o mundo não só pelas pessoas, pela paisagem e pelo património, mas também por ser um bom sítio para as empresas se instalarem. Este é um bom local para o nómada digital ficar, é um bom sítio para uma startup instalar a sua sede e usá-la como base para explorar o resto do mundo.

O PACT apresenta-se como regional, mas será expectável realizar investimentos noutras cidades, que não Évora?

Temos uma responsabilidade grande. Uma parte da infraestrutura está terminada, havendo mais interesse poderemos pensar em ser ainda mais ambiciosos e ter mais espaço, noutros locais. É um desafio que o PACT pode vir a assumir, estando reunidas as condições certas, pois há uma grande procura por parte de empresas que se querem instalar no Alentejo.

SOUMODIP SARKAR

Nascido em Jamshedpur (Índia) em junho de 1965, Soumodip Sarkar é professor do Departamento de Gestão da Universidade de Évora, onde chegou depois de um doutoramento em Boston e de ter trabalhado na Universidade de Harvard. Considerado um especialista internacional nas áreas de estratégias de internacionalização, empreendedorismo e inovação, dirige o PACT onde dinamiza uma rede de parceiros, chama-lhe “ecossistema”, que inclui empresas, a Universidade de Évora, os Politécnicos de Beja e de Portalegre, mais incubadoras tecnológicas e centros de investigação.

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