Estação Cooperativa da Casa Branca inaugura Centro de Interpretação Terras do Ferro

Numa antiga habitação de ferroviários nasceu o Centro de Interpre- tação Terras de Ferro, agora inaugurado. O projeto é de uma cooperativa de artistas apostada em dar nova vida à Casa Branca. Maria Luísa Ferrão (texto)

Aaldeia nasceu para acolher os trabalhadores da estação de caminho-de-ferro em meados do século XIX. Chegou a ter 300 habitantes e 800 pessoas a passarem por lá diariamente. Atualmente a população reduziu para 80, mas a Casa Branca [concelho de Montemor-o-Novo] continua a lembrar os tempos de azáfama que se viveram naquela terra de paredes caiadas. Foi este património ferroviário que impulsionou várias organizações locais a refletirem sobre a melhor forma de revitalizar esta aldeia desertificada e envelhecida onde o comboio Intercidades passa cinco vezes por dia.

Da resiliência de um conjunto de pessoas interessadas em recuperar a memória daquele território e em reativá-lo, nasceu a Estação Cooperativa em junho de 2021, com o objetivo de reabilitar o antigo bairro dos ferroviários de Casa Branca e dar-lhe uma nova vida através da implantação de uma comunidade criativa. O desafio passa também por reabilitar 17 edifícios, votados ao abandono, que estão distribuídos por uma área de 1,5 hectares.

É aqui que se localiza o Centro de Interpretação Terras de Ferro, outrora habitação de ferroviários, agora inaugurado. Este foi o primeiro edifício a entrar em obras e reúne um espólio relacionado com a ferrovia recolhido por toda a aldeia. Alexandra Libânio, coordenadora-geral da Estação Cooperativa, partilha que neste programa de reabilitação há um olhar preponderante sobre o território, respeitando as suas características e utilizando os seus próprios recursos, ideias e sonhos.

“O Terras de Ferro é um espaço preparado para acolher exposições, residências artísticas, workshops, atividades comunitárias, cedências de espaço aos próprios habitantes e com isto criar uma maior relação com os moradores da aldeia”, acrescenta a gestora cultural, referindo que na sequência desta intervenção já há novos moradores.

No Centro o visitante pode encontrar objetos que foram usados pelos ferroviários, como por exemplo, um cantil de óleo que servia para colocar nos carris ou uma lanterna de sinalização, que se usava na retaguarda dos comboios. A exposição permanente intitulada “Nas Linhas da Sombra – Memórias de Ferro” foi concebida para evoluir ao logo do tempo recuperando conteúdos de exposições anteriores, mas também incorporando novas peças, testemunhos e artefactos. Funciona como um arquivo vivo e um recurso válido para investigação e consulta do espólio exposto enquanto estímulo criativo ao desenvolvimento de vários projetos.

“O espólio foi deixado e nós valorizámos aquilo que foi esquecido”, diz a responsável. Foram também encontrando documentos que tinham a ver com o funcionamento da ferrovia e deram-lhe valor expondo-os com destaque nas várias salas agora recuperadas. O Centro é um depósito da história que se tem vindo a construir, um agregador de pessoas e de conteúdos.

Agora entra-se no edifício e vemos um circuito de painéis que dão uma caracterização geral sobre a paisagem natural, a história da indústria mineira do Monfurado, a da ferrovia em Casa Branca e como é que esta aldeia nasce. Este local ocupou um lugar relevante no desenvolvimento económico do Alentejo e a ideia é devolver à aldeia esse grau de importância através de uma programação cultural que integra residências artísticas de onde nascem novas ideias, novos fluxos de pessoas e novos produtos culturais.

“Temos uma parceria anual com a Universidade de Linz na Áustria em que todos os anos, durante um trimestre, esta envia um grupo de 10 a 15 estudantes para virem aprender técnicas de construção sustentáveis”, revela a responsável. A programação é variada até ao final do ano e naquele espaço os visitantes têm conteúdo e espólio que pode ser manejado.

Criar um espaço “vivo” e dinâmico contrariando uma aldeia distópica com vestígios do património industrial pode ser atrativo e insólito. Foi esta dicotomia que cativou Alexandra Libânio a vir abraçar o projeto. A escola primária, construída para ensinar os filhos dos trabalhadores da ferrovia, é agora também um património animado pela Cooperativa Associação. O pátio da escoladá para a linha de caminho-de-ferro e a relação com ela sempre foi enorme. O crescimento da aldeia dá-se em paralelo ao antigo bairro ferroviário que, por sua vez, surge depois da construção da linha.

Há também o antigo lavadouro municipal que teve uma intervenção de graffiti no âmbito de um circuito de arte urbana criado pelo Município de Montemor-o-Novo, para além de um ótimo restaurante e do bom pão. A comunidade local adere com alguma resistência ao projeto. Os membros da Cooperativa não são filhos da terra e, por isso, é natural que exista alguma desconfiança. A pandemia também contribuiu para criar esta brecha que aos poucos se vai tapando.

PROJETO INCLUSIVO

“Tentamos sempre incluir os moradores nos projetos para consolidarmos relações”, explica a responsável. No entanto, ouvem-se frases como isto já não é o que era e depois a proposta é algo pouco convencional. “Quando assinámos o contrato com a IP as pessoas estavam à espera de uma grande transformação, a expetativa era elevada. Mas a nossa intervenção tem sido mais lenta e o resultado não é tão vistoso como os habitantes esperavam. No entanto, sempre que nós intervimos num edifício a relação com as pessoas aumenta porque vão e lembram-se de que casaram ali, viram o seu filho nascer e outros episódios marcantes na vida”, acrescenta a coordenadora-geral da Cooperativa, referindo que há pouco tempo esteve um grupo de finlandeses a aprender a rebocar paredes com cal.

O Centro Terras de Ferro conta com o apoio financeiro do Município de Montemor-o-Novo e com várias parcerias com universidades, com a ex-Direção Regional de Cultura do Alentejo e Programa de Desenvolvimento Rural 2020. Caminha para a profissionalização já que nestes primeiros três anos contou com o trabalho de voluntários que o ergueram e o rechearam. Está aberto ao público em eventos e por marcação e pretende-se que seja um lugar de encontros sociais e artísticos.

A Casa Branca está também incluída na proposta de Évora/27 – Capital Europeia da Cultura como um projeto delegado. “Este grande acontecimento cultural é muito relevante para podermos continuar a intervir no território do ponto de vista espacial. Juntar biólogos, permacultores e artistas para transformar o território, recorrendo a esta interdisciplinaridade, de forma a criarmos um corredor verde, indo buscar o conhecimento local, espécies autóctones, materiais reutilizados e um olhar interdisciplinar para requalificarmos esta aldeia sempre com o apoio dos filhos da terra”, defende Alexandra Libânio realçando a residência que se encontra a decorrer no Centro, “Animais”, com direção artística de Jared Hawkey e Sofia Oliveira e que se foca na relação entre humanos, natureza e tecnologia com apresentação ao público agendada para as 18h00 do próximo dia 19 de outubro.

Chamar a atenção para a aldeia de Casa Branca e para o potencial enorme de todo o edificado é uma das preocupações da Estação Cooperativa, apostada em recuperar alguns edifícios. “Damos formação em técnicas tradicionais e materiais naturais e reconstruímos parte do edificado com paredes de taipa, rebocos de cal, retiramos telhas das ruínas e recolocamo-las. Vamos fazendo reabilitações que não sejam muito radicais”, diz Alexandra Libânio, coordenadora-geral.

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