Tem 60 anos e há muito que a casa onde reside, no Largo do Outeiro, em plena zona histórica da cidade de Estremoz, apresenta sinais de degradação que a passagem do tempo se encarrega de agravar. São problemas decorrentes de infiltrações, um telhado já bastante danificado e uma casa de banho desadequada para quem, como ele, sofreu um acidente vascular cerebral.
Este foi um dos casos identificados pelos voluntários da Just a Change, uma associação sem fins lucrativos criada há cerca de 10 anos e cuja missão consiste em promover obras de reabilitação em casas de famílias carenciadas ou edifícios de instituições sociais.
Aqui, a intervenção dos voluntários da associações prolongou-se por duas semanas. A estrutura do telhado foi substituída por uma nova, permitindo que deixa de chover dentro da casa, o isolamento térmico foi melhorado e a casa de banho, claro, adaptada à condição de quem mais a utiliza.
No concelho de Estremoz, 24 voluntários da Just a Change realizaram obras de reabilitação em quatro habitações, beneficiando diretamente quatro agregados familiares, num total de oito pessoas. A ideia é “promover a dignidade habitacional” a famílias carenciadas.
Constança Dias, uma das responsáveis pela associação, refere que, além de Estremoz, os jovens voluntários estarão a realizar intervenções similares em mais 26 locais, “do ponto mais a norte, Miranda do Douro, até ao Algarve profundo”. São sobretudo jovens, com idades entre os 20 e os 25 anos, que abdicam de duas semanas de férias para colocar sorrisos e felicidade na vida de pessoas com carências habitacionais.
Tratou-se da primeira ação da Just a Change no concelho de Estremoz. E também a estreia de Pedro Andrade nestas andanças. “Tem sido uma boa experiência, sinto-me concretizado do ponto de vista pessoal, pois ajudar a mudar uma vida é algo que nos marca para sempre”.
Ainda assim, acrescenta, não deixa de ser um “trabalho duro, principalmente pelo calor” que por esses dias se fez sentir. “Estamos a esforçar-nos bastante, com muito suor, mas no final irá valer a pena”.
Por norma, as intervenções a realizar incluem reparação de paredes, pinturas interiores e exteriores, trabalhos de eletricidade e canalização, bem como substituição de mobiliário, entre outras ações adaptadas a cada situação. No caso de Estremoz, o investimento global foi superior a 53 mil euros, dos quais 35 mil foram assegurados pelo Município no âmbito de um protocolo entre as duas entidades com o objetivo de“fomentar a promoção da dignidade habitacional de famílias carenciadas”.
Nos termos do acordo, foram beneficiárias diretas famílias a viver em situação de precariedade habitacional e sem capacidade financeira, própria ou através de financiamento externo, para aceder a uma habitação condigna no mercado ou candidatar-se a programas públicos de habitação.
Já no seu terceiro ano como voluntária e agora coordenadora de uma das equipas, Raquel Macedo Pinto diz ter “chegado” à associação através da sua irmã que já participava nestas ações de voluntariado. Esta experiência, assegura, faz vê-la o mundo “de forma diferente”. E explica: “Há situações que nem me passava pela cabeça encontrar, pela forma como há tantas pessoas a viver… há coisas que assumimos como um bem adquirido, como a habitação [condigna], e que imensa gente não tem”.
“Não recebemos qualquer valor monetário, somos voluntários, mas é muito compensador receber de volta um sorriso, ver que fizemos uma pessoa mais feliz. É sempre bom”, sublinha.
Além de voluntários portugueses, jovens dos quatro cantos do mundo participam também em iniciativas da Just a Change, como norte-americanos, espanhóis, britânicos ou, até australianos. Descobriram a associação através das suas universidades, conta Constança Dias, revelando que nas ações em Estremoz participam dois jovens espanhóis. “A associação está a crescer de forma muito rápida e, a cada ano que passa, estamos a fazer mais [intervenções em] casas”, garante.
Com presença já afirmada no Alentejo, a Just a Change desenvolveu projetos de voluntariado em concelhos como Alandroal, Santiago do Cacém, Sines e Odemira. “Acreditamos que condições de vida têm um impacto direto na redução da pobreza e criminalidade da população”, diz fonte da associação, segundo a qual as intervenções visam também proporcionar melhorias à saúde pública e à eficiência energética do país. “Reabilitamos casas porque sabemos que pode ser esse o ponto de partida para uma nova vida”.
Ao longo dos anos, a Justa a Change já realizou mais de 700 intervenções em edifícios, incluindo casas de família (cerca de 500) e instituições sociais, tendo beneficiado cerca de 14 mil pessoas, dos quais 900 residentes em casas particulares e 13 mil utentes de instituições de apoio social, mobilizando mais de 26 mil voluntários.
NOVE HORAS DE TRABALHO
Para os jovens que querem “dar tempo de verão para reconstruir o mundo à sua volta”, a Just a Change abre com regularidade inscrições através das quais os voluntários podem partilhar o mesmo objetivo “Reabilitarmos casas e reconstruirmos vidas por todo o país”. O trabalho de campo começa pelas 07h00, com o pequeno-almoço. Depois, cada equipa parte para a sua obra onde fica a reconstruir a casa das 08h00 às 18h00 com uma hora de almoço. “São nove horinhas muito intensas de trabalho, mas muito divertidas e com grandes conversas e convívio entre os voluntários, beneficiários e mestres de obra”, resume a associação.
Fotografia: Município de Estremoz