Antes ainda de abordar as obras expostas, relembro que o termo “experimental” surgiu na segunda metade do século XX devido à infiltração das tecnologias nas produções artísticas e literárias, também com o aparecimento da música eletrónica, composta com sons novos realizados por máquinas. O experimental também foi usado como sinónimo de aleatório, resultando ainda da apropriação das noções científicas de investigação, colaboração, teorização e experimentação para o domínio artístico, nomeadamente, na arte processual interdisciplinar deste período.
Em Portugal, apareceu com a publicação dos “Cadernos Antológicos da Poesia Experimental” (1964 e 1966), que surgiram na sequência das revistas de poesia dos anos 50, que reuniam poetas com afinidades estéticas, uma vez que incluíam um primeiro editorial programático. Estas revistas designavam-se de “folhas”, “fascículos”, “cadernos” ou “antologias”, indicando assim não serem publicações periódicas, para escaparem à censura prévia obrigatória no Estado Novo.
Em torno dos “Cadernos Antológicos”, iniciados pelos poetas madeirenses António Aragão (1921-2008)e Herberto Helder (1930-2015) reuniram-se, entre outros autores, Salette Tavares (1922-1994), Ana Hatherly (1929-2015) E.M. de Melo e Castro (1932-2020) e José-Alberto Marques (1934- 2024), que exibiram a sua experimentação verbo-visual em galerias de arte, realizando também happenings em colaboração com o músico Jorge Peixinho (1940-1995).
Esta primeira geração seguia de perto o experimentalismo europeu, assim como o movimento internacional da poesia concreta, e agiu coletivamente nos últimos anos da ditadura, individualizando depois os seus percursos. Na atual exposição, marca presença uma segunda geração de poetas visuais, maioritariamente, nascidos nos anos 50 do século passado. São também autores cujas produções criativas apareceram depois do 25 de Abril, num período marcado pela divulgação do conceptualismo, realizada por Ernesto de Sousa (1921-1988), que estimulou a desmaterialização das práticas artísticas expandindo-as à instalação ou à performance.
Alguns dos poetas da atual exposição cola- boraram com os clássicos da Po.Ex, sobretudo a partir de “Poemografias: Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa”, exposição itinerante que passou por Lisboa, Torres Vedras, Coimbra e também por Évora, onde esteve na Galeria Municipal de Arte, em 1985. “Poemografias” foi organizada por Silvestre Pestana, que colaborou na Po.Ex ainda antes da Revolução, e por Fernando Aguiar, que se tornou depois o responsável pela organização de exposições e festivais desta poética, sendo um importante divulgador nacional e internacional.
Aguiar é um dos curadores de “Palavra Explícita, Oculta Palavra”, onde expõe três pinturas, unidas pela presença de uma régua articulada, que as mapeia com outros registos gráficos; apresenta ainda originais livros de artista, destacando-se um conjunto de cinco livros, cada um configurando uma letra da palavra livro.
A sua poética explora não só o potencial da palavra plástica, mas também recorre a fonemas ou letras, expandindo-os em termos performativos, como foi possível ver no Videobox, onde projetaram registos das suas performances. Igualmente, Armando Matracão expõe pinturas conceptuais onde cria lúdicos jogos entre títulos, palavras pintadas e configurações em metamorfose com superfícies topográficas de um cromatismo vibrante.
Emerenciano, o autor das conhecidas “escritopinturas”, expõe telas onde retratos de figuras desenhadas a duas cores, se conjugam com estruturas retangulares preenchidas com caligrafias simulando caixas de texto, em sintonia rítmica com embalagens de medicamentos coladas, num todo que remete para páginas de imprensa. Está também representado com originais livros de artista, dos quais se destacam os construídos com a “arte do carimbo”.
Manuel Almeida e Sousa recorre à assemblage para construir poemas visuais impressos em papel, estando exposto uma série que vive da tensão surrealizante entre palavra e imagem. O autor mostra também dois singulares livros-ob-jetos negros, um com a forma de caixa aberta, o outro embrulhado com uma corda em redor, remetendo para “O Enigma de Isidore Ducasse” (1920), de Man Ray.
Em “Palavra Oculta/ Explicita Palavra” estão ainda presente obras de Antero de Alda (1961-2018), nomeadamente, uma “assemblage” que data de 1987, e dois poemas de carácter polí- tico mais recentes. Sendo um pouco mais jovem, seria importante divulgar numa próxima edição da Évora Experimental, os seus videopoemas em animação, uma vez que faleceu novo, mas de- senvolveu uma original obra de poesia eletrónica.
Um pouco mais novo, Manuel Portela apre- senta obras de grande rigor conceptual, utilizando novas tecnologias para criar poemas, sendo exemplo o seu livro exposto “Nuvens passageiras”, cujos poemas foram construídos com uma aplicação que metamorfoseou textos diversos, com conteúdos que remetiam para fenómenos voláteis ou efémeros, num processo combinatório onde os estruturou em quatro partes.
Na exposição podemos ainda ver os belíssimos cartazes de Jorge dos Reis, impressos em serigrafia para a Évora Experimental deste ano, expostos ao lado dos desenhos que os originaram, revelando assim um pouco do seu processo criativo.
António Nelos marca presença com três poemas verbo-visuais dos quais se destaca “Li Ver Da De” (1987), onde a translação de uma imagem remete para a clássica tragédia “Édipo Rei”, de Sófocles. Já António Dantas mostra uma instalação onde imagens fotográficas constroem narrativas visuais, estando impressas em tiras verticais de acetatos, dispostas de forma a aparentar fragmentos de película de filme.
César Figueiredo apresenta algumas afinidades estéticas com os poetas madeirenses, uma vez que recorre à eletrografia para compor poemas. Partindo também da apropriação de material gráfico diverso, Figueiredo aproxima-se de imagens e textos através da fragmentação e ampliação, em composições onde joga com a sobreposição dos elementos, resultando poemas palimpsestos gráfico-verbais, que vivem de tensões entre a legibilidade/ilegibilidade.
Marca ainda presença com um original conjunto de livros de artista apelidados de “Relicários”, que remetem assim para o passado sagrado e histórico dos livros artesanais. Em sintonia com estes “Relicários”, os livros-objetos artísticos de José Oliveira referem-se à própria origem do objeto livro, nomeadamente, aos códices que eram compostos por papiros ou pergaminhos dobrados e costuradas, e albergaram os textos religiosos a partir do século I d.C.
Nos seus “Códices”, Oliveira contrasta o ritmo da escrita manual com aspetos epidérmicos das páginas, numa intemporalidade própria do contemporâneo que é antigo em simultâneo. Expõe também “Diário de Sinónimos”, um livro-mundo composto por páginas circulares, onde lado a lado se encontram superfícies texturadas com a alquímica presença de ferrugem e rastros de escritas em registos gráficos depurados.
VIDEOBOX
No VideoBox [componente da Évora Experimental] projetaram-se registos de performances do curador Feliciano Mira [na fotografia], realizados em parceria com Brenda Segura. Mira marca presença na exposição com livros de artista compostos por livres registos caligráficos e pinturas em papel, onde as caligrafias constroem mapas, uma vez que a associação das suas formas e cores permitem seguir diversos percursos com o olhar. Apresenta ainda “Imposit”, um objeto tridimensional onde o grafitti dialoga com letras e moldes de palavras do poema “O Menino Ivo”, de Salette Tavares.