Têm cerca de sete anos as ações que renovaram o interesse dos cidadãos à volta do património da Fábrica Robinson, numa iniciativa do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), que depois se traduziu numa petição apresentada na Assembleia da República, em 2017. “Salvem a Robinson – Património Industrial Corticeiro” visava “salvar e valorizar” o património cultural e material da antiga unidade industrial.
Luís Pargana, na altura vereador da Câmara de Portalegre sem pelouro, eleito pela CDU, foi o primeiro subscritor da petição, seguido de Manuela Cunha, dirigente de “Os Verde”, e de Manuela Mendes, que desempenhou funções na direção e administração na Corticeira. Foram recolhidas mais de cinco mil assinaturas, e o assunto foi a plenário da Assembleia da República, transitando para a Comissão Parlamentar de Cultura.
O antigo vereador recorda que “o agendamento em plenário teve a particularidade” de todas as bancadas apresentarem um projeto de resolução sobre assunto, os quais foram votados por unanimidade, havendo “um entendimento em unir” os diferentes projetos de resolução “numa única resolução”. Esta, publicada em “Diário da República”, “é uma recomendação ao Governo para a urgência da salvaguarda daquele patrimó- nio e para se assumir como motor das diversas entidades que estavam envolvidas no processo”.
Mas as recomendações foram “ignoradas” e, passados sete anos, nada aconteceu. Nada que não o acentuar das consequência do abandono, a permanente vandalização do espaço e a sensação de que, na verdade, ninguém parece estar objetivamente empenhado em recuperar todo aquele património.
A Fábrica Robinson “está abandonada e degradada: com as chaminés em risco de ruína, e as autoclaves [espécie de forno industrial] completamente danificadas”, sendo que “houve peças de cobre únicas com marcas de máquina que foram vandalizadas e roubadas”, nota Luís Pargana.
Em fevereiro de 2023, Os Verdes alertavam a (ainda) Direção-Geral do Património Cultural para o “estado de degradação de extrema gravidade” em que se encontrava o património da antiga fábrica da cortiça, e apelava à “intervenção urgente” do Estado e da autarquia. Mais uma vez sem resultado.
PROJETO DE REQUALIFICAÇÃO
Estabelecida em Portalegre em 1837 por um grupo de ingleses, a indústria corticeira ganhou projeção a partir de 1847 com George Robinson, que se instala na cidade depois de adquirir uma pequena oficina de transformação de cortiça em bruto ao seu compatriota Thomas Reynolds. Iria converter-se na maior unidade fabril e maior empregadora da cidade por muitas gerações, até ao seu encerramento em 2009, já na mão de investidores portugueses.
Luís Pargana conta que durante o seu mandato, entre 2001 e 2005, enquanto vereador da Cultura e do Património, “havia consciência de manter uma indústria corticeira forte em Portalegre, a laborar e a produzir”. Mas a manutenção da Robinson não era moderna nem competitiva, não sendo conciliável com a sua atividade numa fábrica do século XIX alojada no centro histórico, “o que pressupunha a sua deslocalização para a zona industrial”.
Havia também “consciência da riqueza do seu património, único a nível industrial corticeiro, e da riqueza da arqueologia industrial”, o que previa que o espaço fosse “requalificado, rentabilizado e posto ao serviço da cidade, desenvolvendo-se ali um polo de interesse turístico e cultural associado à identidade industrial da cidade”.
Desenvolvendo esforços nos dois sentidos, na altura foi constituída a Fundação Robinson impulsionada pela Câmara, que previa juntar entidades públicas e privadas, contribuindo para a sua criação a Sociedade Corticeira Robinson, o Instituto Politécnico de Portalegre e o Turismo do Alentejo, entre outras entidades. Com a fábrica ainda a operar, a Câmara, em colaboração com a empresa, começou a fazer programação cultural no espaço, que foi palco da rodagem de um filme português, concertos e outros eventos.
O primeiro projeto global de requalificação do espaço Robinson chega por essa altura e é de autoria do arquiteto Souto Moura, encomendado e pago pelo Município. Incluía uma “vertente museológica, centrada na requalificação da arqueologia industrial, outra turística, com a possibilidade de criação de espaços para restaurantes” e demais oferta exequível neste sector, “e uma vertente cultural”.
Chegou a estar prevista a instalação das associações culturais com atividade no concelho numa zona da fábrica. O que “garantia, só pela sua atividade regular, a vivência do espaço e a dinamização. Era um contributo para a sustentabilidade daquele projeto”.
Do projeto global, constava e concretizou-se a construção da Escola de Hotelaria e Turismo do Alentejo – “para potenciar todo o conjunto de va- lências que ali se pretendia vir a desenvolver” –, um parque de estacionamento, que “já começa a ter problemas de manutenção”, e um auditório em frente à Escola, que “não está terminado”, e até tem um prémio de arquitetura.
Luís Pargana nota que a partir de 2005, “a linha de rumo” seguida pela Fundação Robinson, que teve um diretor científico, “não concorreu para os objetivos com que tinha sido criada, que era a preservação e valorização do património industrial da empresa, apesar de ter mobilizado verbas significativas de fundos diversos”, ao longo de uma década.
Entretanto, foi recuperado um bloco da fábrica para instalação da International Center for Technology on Virtual Reality (ICTVR), uma empresa ligada às novas tecnologias e realidade virtual. Comenta o antigo vereador que nunca se percebeu bem “o que aquilo foi e os dinheiros que ali estiveram envolvidos”, sendo que o Município “acabou por ficar fiel depositário de todos os equipamentos de ponta que tinham sido adquiridos para o espaço”. A Fundação foi ainda responsável pela instalação do Museu de Arte Sacra na Igreja de São Francisco, contígua à fábrica, “com a Câmara na sua base”, que fechou recentemente.
Para o primeiro subscritor da petição que visou salvar todo este património, o que tem faltado é vontade política. Primeiro para recuperar o património de arqueologia industrial e direcionar os inúmeros fundos que foram recebidos pelo país para esse objetivo, e nos últimos anos, “sobretudo nas duas últimas presidências de Câmara”, para considerar-se a identidade industrial de Portalegre como uma prioridade a valorizar e tornar recurso de desenvolvimento”. Lamenta que já se tenha perdido muito, mas alerta para o que ainda pode ser recuperado e preservado, a começar pelas chaminés.
Luís Pargana defende a necessidade de “despertar a vontade política” para a recuperação deste conjunto, e para que seja devolvido à cidade. O que diz exigir um “planeamento criterioso e faseamento dos momentos de intervenção”, devido ao estado de degradação em que se encontra, “e o envolvimento de diferentes entidades”. Desde logo os poderes local e central, pois o orçamento da Câmara de Portalegre não é suficiente, mas também da iniciativa privada. “Porque não?”, interroga.
PATRIMÓNIO CLASSIFICADO
A Igreja e Convento de São Francisco e os antigos edifícios conventuais onde funcionou a Fábrica Robinson, bem como todas as estruturas fabris, incluindo maquinaria pesada e fornos, encontram-se classificados como Conjunto de Interesse Público. O que de nada tem servido, no que à sua recuperação diz respeito. Ainda que o Ministério da Cultura reconheça tratar-se “de um conjunto patrimonial com evidente coerência e unidade” que constitui “um testemunho económico, social e urbanístico da maior importância para a cidade de Portalegre”.