A candidatura foi promovida pela Associação Rota do Guadiana, em parceria com o Município de Serpa, o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura e o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, contando ainda com “o envolvimento ativo de associações e entidades locais”.
Com este reconhecimento, o território “passa a integrar um grupo restrito de sistemas agrícolas vivos que combinam tradição, biodiversidade e inovação, servindo como modelo de desenvolvimento sustentável e valorização do mundo rural em contexto de mudanças climáticas e sociais”.
De acordo com a FAO, o Montado da Serra de Serpa, “destaca-se como um dos mais antigos sistemas agrosilvopastoris da Europa”, gerido “com notável consciência” ecológica. “Através do pastoreio extensivo e de baixa intensidade, da agricultura de sequeiro e da gestão florestal cuidadosa, as comunidades moldaram uma paisagem multifuncional que conserva a biodiversidade, sustenta as economias rurais e representa um modelo mediterrânico de resiliência climática e recuperação do solo”, acrescenta.
Uma informação detalhada publicada na página de internet da FAO assinala que este sistema integra sobreiros e azinheiras com cereais, leguminosas, pastagens, apicultura e criação extensiva de ovinos e caprinos, permitindo “gerar rendimento a partir da cortiça, carne, mel, ervas, cogumelos e turismo de natureza”.
Além do coberto arbóreo ter um papel determinante na preservação dos solos e na regulação hídrica, contribuindo para “reduzir a erosão, aumentar a retenção de água e armazenar carbono no solo e na biomassa”, a coexistência entre florestas, campos cultivados e áreas de pastagem “cria uma paisagem em mosaico que sustenta uma elevada riqueza ecológica”.
O documento recorda que a biodiversidade do montado inclui espécies ameaçadas como o lince-ibérico e o abutre-preto. “A copa das árvores, dominada pelo sobreiro (Quercus suber) e pela azinheira (Quercus rotundifolia), fornece habitat a uma vasta diversidade de vidas, sombra para os animais em pastoreio e nutrientes para o estrato herbáceo, composto por gramíneas, leguminosas e arbustos nativos”.
A favor da classificação pesaram igualmente práticas agrícolas que mantêm a diversidade genética adaptada ao clima semiárido. “Variedades tradicionais de culturas, incluindo cereais, leguminosas e forragens, são cultivadas em rotação ou em consociação com pastagens e árvores, preservando diversidade genética e características adaptativas”. Acresce que as raças locais, como a cabra serpentina, são “essenciais para o equilíbrio ecológico”, controlando o avanço do mato e favorecendo a regeneração das pastagens naturais.
Por outro lado, refere a mesma fonte grande parte da sustentabilidade do sistema assenta no saber transmitido entre gerações. “O conhecimento sobre quando e como extrair cortiça, como equilibrar a pressão do pastoreio e como gerir parcelas de uso múltiplo não está escrito, mas está incorporado na prática quotidiana, na observação e na transmissão oral”. Um conhecimento empírico reforçado por eventos comunitários, trabalho cooperativo e redes locais de entreajuda.
O dossier sublinha que o Montado da Serra de Serpa é também um espaço cultural profundamente ligado à identidade local. “A narração oral, as canções tradicionais e as celebrações agrícolas reforçam a ligação entre as pessoas e a terra e mantêm vivo o património imaterial associado à vida rural”. Tratam-se de práticas como a transumância sazonal, os rituais de extração da cortiça e as festas dos pastores continuam a marcar o calendário comunitário.
A documentação disponibilizada pela FAO refere ainda que configuração da paisagem — com sobreiros dispersos, campos cultivados, muros de pedra, ribeiras temporárias e caminhos de pastoreio — resulta de séculos de coevolução entre a natureza e o uso humano. “Cada elemento da paisagem — dos caminhos de pastoreio aos talhões de cortiça — faz parte de uma rede funcional de espaços e práticas”.
Fotografia | Arquivo Município de Serpa/Nicola Di Nunzio