Filipe Corrêa Figueira: “Alentejo, terra seca de ambição?”

O sequeiro ocupa 86% do solo agrícola português, abarcando uma área de 3,8 milhões de hectares. Infelizmente, ao invés da Mary Poppins, este parece escassear mais onde dele há maior necessidade, visto que Alentejo, Beira Interior e Trás-os-Montes – as zonas mais secas – são as regiões onde é maior a ponderação de área de sequeiro na área agrícola, nestes casos, sempre acima de 90%. Filipe Corrêa Figueira (texto)

O Alentejo destaca-se neste indicador tendo mais área de sequeiro – 2,4 milhões de hectares – do que o restante país tem de área agrícola. A diferença entre o Alentejo, onde tanto se apregoa Alqueva (e bem!), e as restantes regiões torna-se ainda mais gritante quando a sua superfície de sequeiro, na totalidade do seu território, representa 72%, tendo as regiões que lhe seguem ponderações a rondar os 30% (sendo, adivinhe-se, Trás-os-Montes e Beira Interior).

A haver uma intervenção nesta área – nos 86% – no sentido de promover uma agricultura produtiva, a ocupação do território e a pujança económica, entre outros, isto é, a haver uma intervenção no estabelecimento de infraestruturas hidráulicas de fins múltiplos que permitam, nomeadamente, irrigar parte do território, o Alentejo parece estar na dianteira para uma candidatura! (a)

Para quem conhece o nosso Alentejo e tem acompanhado a sua evolução, sabe que, avaliando a dimensão empresarial, mas principalmente a de carácter territorial, a sociedade precisa de enfrentar e arranjar resposta para a pergunta: quanto custa um território vazio?

Posso, desde já, indicar, através de um indicador que me chegou à atenção recentemente por via do professor José Pedro Fragoso de Almeida, que uma atividade sustentável – seja ela qual for – tem de procurar aumentar o quociente entre vendas e apoios, na senda de diminuição da dependência, continuada e operacional, de políticas públicas.

Na viragem do século XVIII vários autores consideravam a criação de gado a atividade agrícola fundamental do Alentejo, pois era a única a compensar rendimentos aleatórios de uma sucessão de anos difíceis (já naquela altura, os havia). Ora, atualmente, pleno século XXI, mais de 70% da superfície de sequeiro está dedicada a culturas para alimentação dos animais.

Vamos ser francos, uma coisa que, cá no Alentejo, “fazemos” muito, são vacas! Pegando apenas neste pequeno subsector, que, com a irrigação, seria, no mínimo, altamente beneficiado em termos de eficiência, rentabilidade e autossuficiência, podemos avaliar o impacto que uma agricultura de regadio podia trazer ao Alentejo.

Nas explorações com orientação produtiva de bovinos para carne – na qual abundam explorações de sequeiro alentejanas – 57% dos proveitos provêm de apoios públicos, 48% dos quais de apoios não ligados à produção. Trocado e baralhado, as receitas nestas explorações, supostas atividades económicas, são, maioritariamente, transfe- rências do Estado, provindo apenas 43% do, dito, “livre mercado”. De referir que, na sua estrutura de custos, 31% dos seus encargos se refere à aquisição de alimentos concentrados.

Isto resultou, no triénio 2020-2022 numa rendibilidade média negativa de -137 euros/vaca aleitante, resultado que apenas se torna positivo, em 107 euros/vaca aleitante quando incluímos nos cálculos os apoios públicos.

Vivendo cá, e sendo agricultor, bem sei que são estes apoios que previnem o abandono da ati- vidade. No entanto, faz-nos pensar, e era a nota que desejava deixar: o regadio traz benefícios económicos materiais a qualquer atividade agrícola ou região e terá um “efeito cascata” já sobejamente conhecido, como o verificado em Alqueva ou pelo recentemente publicado estudo relativo ao Perímetro do Mira, no entanto, o benefício incremental será largamente superior, pois cada hectare irriga- do de sequeiro é um hectare que passará a, espontaneamente, gerar equilíbrios – de mercado! – que viabilizam as explorações agrícolas abrangidas.

Se o sequeiro depende, de um modo decisivo, de apoios públicos repetidos, continuados, não multiplicadores e ineficientes, o regadio permite, enquanto trata de abolir esses apoios, capitalizar os que se fazem em infraestrutura e providenciar os meios para que os agricultores alentejanos possam prosperar autonomamente na sua atividade por excelência – a agrícola!

Problemas complexos, não têm respostas simples, no entanto, as condições para que as explorações possam dispor de água – com a criação de pequenas charcas e/ou barragens com fins múltiplos – nem que seja para regar uma proporção limitada das suas superfícies, possibilitando o suprimento de défices pontuais de precipitação e: i) apoio no combate ao fogo; ii) abeberamento de animais; iii) produção de biomassa para alimentação de animais nos períodos estivais; iv) promoção de biodiversidade, seria, certamente, um passo importante.

Na verdade, um investimento no regadio traz muito mais do que o propalado (e bem!) impacto económico direto, pois subtrai ainda à equação os apoios públicos que, literalmente, sustentam o sequeiro. Se for a haver, também ficou demonstrado que o Alentejo é o candidato por excelência a esse investimento. Até lá, aguardamos, e talvez até possa ser à sombra de um chaparro, mas que nunca nos acusem de deixar secar a nossa ambição!

(a) Aliás, convido-vos a consultar o Recenseamento Agrícola de 2019 onde existe um mapa com a distribuição da superfície de sequeiro em Portugal e onde está evidenciado – consegue-se traçar uma linha clara – que são estas as regiões em que a intervenção seria mais premente.


NOTA: Este texto é baseado numa leitura da edição nº31, de Agosto de 2024, da Revista “CULTIVAR”Cultivar”, do GPP, contando com preciosos contributos de alguns dos seus artigos, nomeadamente, “Caracterização da Agricultura de Sequeiro em Portugal”, “O sequeiro do Sul, viabilidade económica, perspectivas e políticas” ou “Cultivar os mercados voluntários de Carbono e a biodiversidade – oportunidade para o sequeiro nacional”.

O autor é mestre em engenharia agronómica pelo Instituto Superior de Agronomia e mestre em finanças e mercados financeiros pela NOVA SBE. Jovem agricultor juntamente com a sua mulher com quem coordena uma exploração familiar especializada no pistácio. Profissionalmente, trabalha num dos maiores grupos agro-industriais com operação em Portugal, com foco na amêndoa, azeitona e azeite.  Pai de uma filha, por agora.

Partilhar artigo:

ASSINE AQUI A SUA REVISTA

Opinião

BRUNO HORTA SOARES
É p'ra hoje ou p'ra amanhã

PUBLICIDADE

© 2025 Alentejo Ilustrado. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por WebTech.

Assinar revista

Apoie o jornalismo independente. Assine a Alentejo Ilustrado durante um ano, por 30,00 euros (IVA e portes incluídos)

Pesquisar artigo

Procurar