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Francisco Sabino: “Contributo para uma reforma eleitoral regionalizável” 

As eleições de 10 de março e a criação de círculos eleitorais regionais. Análise de Francisco Sabino, sociólogo

O atual sistema eleitoral em vigor no país, baseado no método estatístico de distribuição proporcional, vulgarmente conhecido por método de Hondt, tem vindo a ser alvo de críticas mais ou menos generalizadas por parte de cidadãos e organizações da sociedade civil e mesmo pelos partidos políticos com assento parlamentar, embora quase nada tenha sido feito para lhe corrigir as distorções grosseiras que se lhe apontam. 

Algumas propostas de resolução deste problema têm sido avançadas, e uma chegou mesmo a ter honras de sessão parlamentar que a discutiu durante….. dois minutos, na última reunião plenária do parlamento antes da sua dissolução. A SEDES deu-nos também a conhecer uma proposta de alteração do sistema eleitoral que pode ser consultada no site da associação.

Creio que estas iniciativas têm inegável mérito e oportunidade e a seu modo procuram, num país com uma distribuição populacional assimétrica, como o nosso, equilibrar com equidade territorial regional a desigual distribuição dos 230 deputados eleitos nos 18 distritos do Continente. 

Reconhecendo o mérito destas iniciativas, gostaria, no entanto, de avançar uma proposta alternativa ao que nelas é proposto e que, a meu ver, me parece ser mais exequível e capaz de concitar uma maior mobilização dos cidadãos, e talvez até dos próprios partidos, resultante da simplicidade da medida. 

O modelo que proponho resulta da agregação dos 18 distritos do Continente em cinco círculos eleitorais, correspondentes às cinco NUT II, reformando de vez a vetusta divisão administrativa dos distritos que se mantém apenas por conveniência eleitoral, fazendo-os coincidir com as áreas administrativas das cinco Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais. A estes cinco círculos, juntar-se-ão mais quatro assim distribuídos: dois correspondentes às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e dois aos círculos da emigração: Europa e Fora da Europa. Manter-se-á o número de deputados nos atuais 230. 

Nestes nove círculos nacionais, apenas os do Continente serão redefinidos, numa operação que implica a anexação dos círculos eleitorais distritais pela geografia regional (NUT II) que atualmente os confina. A exceção a esta regra encontra-se apenas na reconfiguração do distrito de Setúbal, de que adiante falaremos, quando apresentar a constituição dos círculos.

Os círculos a criar são: 

a) O Círculo Eleitoral da Região Norte, resultando da agregação dos distritos de Braga, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real, que somará 72 lugares de deputados, resultantes naturalmente do peso da demografia eleitoral dos respetivos círculos distritais; 

Em função desta agregação, os resultados eleitorais de 10 de Março, assumiriam a seguinte configuração:

Podemos observar que a agregação dos resultados distritais ditaria um resultado diverso do observado, mas que isso não só não alteraria a realidade objetivável, como a enriqueceria, com uma maior expressividade a ser conferida aos partidos de menor expressão eleitoral regional. Assim, os quatro deputados “migrantes”: do PS (1) e da AD (3), seriam distribuídos pelo IL (1), pelo BE (1), pelo PAN (1) e pelo Livre (1), ilustrando-se desta forma o reforço e pluralidade da representação regional, o que abonará a favor da proposta de agregação dos distritos, conforme se propõe.

b) O Círculo Eleitoral da Região Centro, resultando da agregação dos distritos de Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Leiria e Viseu, que integraria os 50 lugares de deputados a eleger, pertença dos círculos distritais agregados;

Os resultados eleitorais neste círculo evidenciam de forma mais explícita esse reforço da pluralidade associada à metodologia proposta.

Percebe-se que os resultados eleitorais neste círculo, se agregados os distritos, seriam mais magnânimos com os partidos menos votados, já que o BE elegeria 2 deputados, o IL reforçaria a eleição com mais um deputado e a CDU e o Livre conseguiriam a eleição de um deputado cada.

c) O Círculo Eleitoral da Grande Lisboa, que agregará os distritos de Lisboa, Santarém e Setúbal, totalizando 74 lugares de deputados.

Neste círculo as alterações seriam de pequena monta, mas isso é perfeitamente natural dada a dimensão eleitoral do círculo de Lisboa.

Neste círculo será necessário efetuar um pequeno ajuste na demografia eleitoral do distrito de Setúbal, que conta com os votos dos concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines, que são, como se sabe, concelhos alentejanos eleitoralmente adstritos ao círculo de Setúbal. Desta forma, é necessário retirar ao distrito de Setúbal os eleitores inscritos nestes concelhos, 57 673 eleitores em 2024, e creditá-los no quarto círculo regional a criar, precisamente o do Alentejo.

Esta alteração traduz uma modificação particularmente importante no número dos lugares de deputados regionais, uma vez que, aqueles eleitores, diminuídos aos do círculo eleitoral de Setúbal implicam um ganho de dois novos lugares para o círculo do Alentejo.

d) O Círculo Eleitoral da Região Alentejo, resultará assim da agregação dos distritos de Beja, Évora e Portalegre, e dos concelhos que migrarão do distrito de Setúbal que, como se disse, passarão a ser membros eleitores da região, contribuindo para o aumento do número de deputados regionais.

Ao sair da zona negra dos oito lugares, que o método de Hondt penaliza, o Alentejo seria também um dos círculos a beneficiar, já que passaria a contar com dois novos lugares de deputado, aumentando assim a sua representatividade regional.

Como podemos constatar, os dois deputados ganhos para a região seriam distribuídos pelo Chega e pela CDU, que lograria assim manter a sua presença na região.

e) O Círculo Eleitoral da Região do Algarve, constituído pelo distrito de Faro, que por ter apenas um distrito, constitui-se como círculo único. Os resultados eleitorais neste círculo não trarão nenhuma alteração ao figurino regional, dado que este círculo conta apenas com o distrito de Faro.

Estes, são pois, os cinco círculos eleitorais que proponho serem criados para o Continente. Os restantes, pela sua singularidade funcional aceite sem contestação, não serão objeto de nenhuma alteração, devendo ser integrados no sistema eleitoral que agora se propõe.

A realidade Insular, sendo diversa, é pacífica, uma vez que a Madeira é um círculo eleitoral único, e também os Açores, ao terem criado um círculo de compensação, acomodando de forma satisfatória o problema da dispersão populacional das nove ilhas do arquipélago.

Creio que esta proposta encerrará algumas virtualidades interessantes, entre as quais me parece ser de destacar a capacidade que as agregações distritais têm em poder fixar e ou ligar mais intimamente os deputados à sua região. Isto porque ao serem identificados pela região eleitoral, os partidos terão que ter esse figurino em mente ao proporem nas listas alguém que possa “ferir” a sensibilidade regional.

Por seu lado, os cidadãos poderão olhar para os que elegem, como tendo maior proximidade regional e isso poder ser fator de maior disponibilidade eleitoral e, por essa via, exercer escrutínio mais adequado e de forma mais eficaz ao seu desempenho em prol da região. Outro aspeto que me parece igualmente interessante nesta proposta de reforma do sistema eleitoral, é o facto de, por estar associado a círculos eleitorais regionais, poder induzir uma diminuição dos desperdícios eleitorais, levando a uma maior sentido de participação eleitoral dando assim nova oportunidade de regeneração ao sistema político.

A simplicidade técnica e prática que proponho para a criação destes novos círculos eleitorais pode funcionar como incentivo à sua implantação, uma vez que nenhum procedimento associado ao ato eleitoral é criado ou reformado, mantendo-se assim intacto todo o processo técnico/burocrático associado aos atos eleitorais já bem conhecidos de todos os eleitores.

Finalmente, e associado à reforma do sistema eleitoral, qualquer que venha a ser feita, e mesmo que a opção seja a de manter tudo na mesma, julgo que os partidos devem e os eleitores têm o direito de exigir que as candidaturas que futuramente possam ser apresentadas em cada círculo eleitoral, tenham o seu “SIADAP” político actualizado, e que uma parte significativa dessa avaliação contemple, preferencialmente, atividade dedicada à região que se propõem representar.

Todos os quadros são criados pelo autor a partir dos cálculos de distribuição usados para a projecção dos resultados, e são da sua exclusiva responsabilidade

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