Galopim de Carvalho: “O tempo que estamos a viver”

A opinião de Galopim de Carvalho, professor jubilado da Universidade de Lisboa

“Nenhuma democracia resiste sem um módico de confiança por parte dos cidadãos” – escreveu António Barreto no passado dia 7 de setembro, no Sorumbático, o ‘blogue’ em que, regularmente, participamos. Este respeitado sociólogo disse por palavras suas o que penso sobre o tempo que estamos a viver.

O socialista Fernando Medina, em obediência à posição da sua bancada, votou contra a moção de confiança do passado dia 13, mas, no final da votação, escreveu que estas legislativas antecipadas irão agravar “os níveis de confiança dos portugueses na política e nos políticos”, numa posição que coincide com a minha e a de Barreto.

Nesta conjuntura ganha o desinteresse e a consequente abstenção e ganha o partido Chega que, imediatamente, lançou a sua campanha às legislativas, para daqui a dois meses, com um ignóbil cartaz onde escreve “50 anos de corrupção”, mostrando, sem sombra de dúvida, o seu propósito de destruir os 50 anos da democracia que, na sua imperfeição e nos seus erros, lhe deu nascimento e lhe dá toda a liberdade para lutar contra ela.

Julgo ser evidente, para os que não andam distraídos, que Portugal atravessa uma deplorável crise, não do foro económico, financeiro ou social, mas dos partidos, dos políticos e dos seus protagonismos na condução da política nacional. Uma crise de valores sem precedentes. Face a esta situação que “bateu no fundo”, no debate da citada moção, a confiança nestes políticos perdeu-se. 

Como já escrevi, à semelhança do que se passou com a I República, a generalidade da classe política, a quem os Capitães de Abril, há 45 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos a cultura civilizacional necessária na sociedade que se quer democrática. Nesta infeliz situação, uma muito significativa parcela do povo, destituído dessa cultura, é presa fácil do populismo da extrema-direita. E é também por isto que, pelo menos, estes dois partidos se têm de entender, em defesa da democracia, que tanto custou a ganhar.

Sobre o tempo que estamos a viver, paira grande insegurança, a nível internacional, não só no que respeita a economia, com inevitável reflexo na vida nacional, como também no que envolve o espectro da guerra, com todas as consequências e sofrimentos que ela arrasta. Tudo isto são gravíssimas preocupações que se adicionam a outras, nacionais, como as das áreas da saúde, da educação, da habitação e outras. Preocupações que, no quadro presente, os citados partidos têm de procurar consensos. Os seus protagonistas já mostraram não terem sabedoria ou vontade para o fazer, pelo que há que encontrar entre os seus correligionários, quem o possa fazer. Chame-se Bloco Central ou outra coisa qualquer, mas é, no tempo que estamos a viver, o caminho a seguir.

Quem me conhece e tem acompanhado, desde sempre, as minhas intervenções e tomadas de posição públicas, sabe da minha independência dos aparelhos partidários e não espera de mim outro pensamento que não seja este. Sempre procurei pensar pela minha cabeça, na convicção de que a política partidária é uma arte ou, se quiserem, uma habilidade para manusear conhecimentos do foro das ciências políticas e sociais na conquista do poder. A nossa sorte depende, não só da competência dos respectivos dirigentes, mas, também do seu sentido ético. Desgraçadamente, competência e ética são atributos em falta no tempo que estamos a viver.

Termino dizendo que continuo a pensar como sempre pensei e que, no essencial, posso resumir dizendo que, independente de quaisquer disciplinas partidárias sempre estive do lado dos explorados contra os exploradores. Em termos teóricos, socialistas, sociais democráticos e democratas cristãos não podem deixar de pensar como eu. Assim sendo e tendo em conta as condicionantes nacionais e internacionais, explicito, dizendo que, sendo possível, quer o PS quer a AD deviam procurar encontrar, entre os seus, quem lhes restituísse a confiança perdida. Infelizmente, julgo saber que, nos dois meses que nos separam das eleições, não haverá tempo para que uma e outra dessas duas forças mudem as respectivas lideranças, o que não pode deixar de nos preocupar.

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