“Geologia e vinho, relação íntima”, por Luís Lopes (professor da UE)

Geólogos de todo o país pela rota da vinha e do vinho (mas não só), na sub-região da Vidigueira. Luís Lopes* (texto e fotografia)

O engenho e o saber alicerçado em mais de dois mil anos de história na sub-região vinícola de Vidigueira, Cuba e Alvito, foram o mote para “A Geologia na Rota da Vinha e do Vinho” promovido pela Associação Portuguesa de Geólogos.

A atividade iniciou-se com um seminário online no qual participaram seis especialistas convidados. Prosseguiu com uma experiência imersiva que desde o primeiro momento transportou os 36 participantes oriundos de norte a sul de Portugal continental, Açores e Madeira, para uma região cheia de surpresas que não imaginavam sequer existir “aqui tão perto”.

A visão holística da região, que começa na sua história geológica e termina num copo de vinho acompanhado com iguarias que primam pela qualidade e autenticidade, ainda por cima ao som do cante alentejano, requer a análise e interpretação a múltiplas escalas de tempo e espaço que se relacionam, por vezes, de forma inesperada, mas lógica.

Perceber a escala do tempo geológico que nos remete para os milhões de anos, não é fácil nem ime- diato. Mas esse tempo é necessário para que antigos continentes pudessem “viajar” na Terra, a velocidades de centímetros por ano, desde locais próximos do Polo Sul até à nossa latitude e que nessa viagem colidissem com outras massas continentais originando cadeias de montanhas, hoje completamente arrasadas e expondo essas rochas “exóticas” que encontramos na Cuba e Vidigueira.

Como em todas as artes e disciplinas há um vocabulário próprio, hermético, que afasta e desmotiva quem não o entende. No entanto, a desconstrução e explicação dos conceitos e processos in situ olhando para as rochas e para a paisagem, mostra que afinal não são assim tão difíceis de entender.

Dos milhões de anos saltámos para as centenas de milhares de anos. Grande parte das transformações na paisagem que ocorreram neste horizonte temporal ainda são visíveis. Os nossos antepassados já por aqui andavam. Ficamos a saber que a grande falha de Vidigueira-Moura, que faz a separação entre o Alto e o Baixo Alentejo, corresponde a um limite geológico com cerca de 150 metros de movimento verti-cal, onde, pasme-se o movimento se fez com subida do bloco a sul sobre o bloco a norte, completamente oposto à evidência de campo (geomorfológica).

Esta inversão resulta da erosão distinta das rochas que estão nos dois blocos, sendo bem mais resistentes as que estão a norte. Observamos ainda que a grande falha do Alentejo (a falha da Messejana, com mais de seiscentos quilómetros de extensão), interceta a Serra do Mendro, origina um vale de direção Nordeste-Sudoeste onde corre a estrada nacional (IP2) entre Portel e Vidigueira. É a Geologia a condicionar a localização da estrada, agora todos o sabemos.

É esta barreira geomorfológica orientada Este-Oeste, a causa das cousas, que permite a circulação de um ar fresco marítimo responsável pelo clima da sub-região vinícola, principalmente no Verão onde as amplitudes térmicas diárias são superiores a 20°C e humidade do ar anda por volta dos 54%. Esta particularidade associada aos solos de xistos e de granitos e à casta Antão Vaz é responsável pelo afamado vinho branco da Vidigueira.

Os solos, essenciais para qualquer cultivo, são condicionados por fatores que determinam a sua evolução e são tantos que o mesmo substrato rochoso pode originar solos muito diferentes em função, por exemplo, da exposição ao Sol ou orientação de uma vertente. Importa frisar que à escala humana os solos são um recurso não renovável, uma vez destruídos requerem milhares de anos para se restaurar.

Entrando no período histórico, visitámos São Cucufate cuja edificação começou por ser uma ‘villa’ romana provavelmente a maior em Portugal e, que tinha dois pisos, algo raro para a época. Fantástica! Só a visita a este complexo justifica a viagem a Vila de Frades. Altaneira e com uma vista a Sul que não acaba, percebe-se que os romanos a edificaram sobre granitos.

Estes granitos, mais recentes que as rochas adjacentes, ao entrarem em contacto com elas, como se as estivesse a cozer, originaram novas rochas (corneanas), neste caso de cores verdes e bandadas que saltam à vista nas paredes dos edifícios em ruínas.

Mais do que todo este acervo histórico e científico, foi o bem receber e a simpatia das gentes locais que nos encheu a alma, são dias assim que iremos recordar para sempre. O cante espontâneo e a gastronomia autêntica onde cada iguaria sabe exatamente ao que deve, imprime profundas memórias que perdurarão para sempre… as conversas, leva-as o vento.

* Professor na Universidade de Évora, Presidente da Associação Portuguesa de Geólogos

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