Gonçalo Grácio transforma monte em refúgio turístico premiado no Alto Alentejo

Entre antas milenares, sobreirais densos e afloramentos rochosos, Gonçalo Grácio transformou os montes herdados da família num projeto de turismo de paisagem, onde a arquitetura contemporânea dialoga com a natureza e a história. Júlia Serrão (texto) e Carmo Oliveira (foto)

Quando, há cerca de uma década, os pais de Gonçalo Grácio adquiriram o Monte dos Coureleiros e o Monte da Murta Velha, em Castelo de Vide, no Parque Natural de São Mamede, foi com o propósito exclusivo da atividade agrícola. Mas o jovem, hoje arquiteto, depressa percebeu o valor das propriedades e o potencial do lugar, decidindo acrescentar-lhes uma componente turística como complemento à atividade rural.

Em 2022, iniciou a reabilitação do Monte dos Coureleiros, que transformou em alojamento, assumindo simultaneamente os papéis de cliente e arquiteto e, em alguns momentos, também o de operário. A propriedade sempre atraiu muitos visitantes ao Parque Megalítico dos Coureleiros, situado no seu interior, fator decisivo para a aposta de Gonçalo Grácio. A área classificada inclui cinco antas milenares: uma classificada como Monumento Nacional e as restantes como Imóveis de Interesse Público, sendo um dos mais relevantes pontos turísticos da região.

A obra de reabilitação “foi bastante exigente”, recorda o arquiteto, dado o avançado estado de degradação da casa. Procurou criar uma in- temporalidade sustentada numa visão contemporânea da arquitetura tradicional alentejana, valorizando linhas depuradas, superfícies brancas que refletem a luz e a tornam elemento central da casa, bem como a autenticidade de materiais como o barro e a madeira. A harmonia entre pe- ças de design de autor — de marcas como Norm Architects, Fuschini, Solo Ceramica e Estuga Stu- dio — e objetos de decoração popular adquiridos diretamente em feiras locais, constitui mais uma particularidade da casa, que se organiza em torno de um pátio onde sobressai um eucalipto quase centenário.

A reabilitação assinada por Gonçalo Grácio acaba de ser selecionada para o prémio Obra do Ano 2025, atribuído pela plataforma ArchDaily, o site de arquitetura mais visitado do mundo.

Inaugurado em julho passado, o alojamento possui tipologia T2+1, com dois quartos e duas salas, sendo possível converter uma delas num terceiro quarto. No exterior, um antigo tanque revestido de azulejos, inicialmente previsto como solução provisória antes da construção de uma piscina, conquistou tal preferência junto dos hóspedes que o arquiteto decidiu mantê-lo, melhorando as condições de utilização através da construção de um deck e da aquisição de mobiliário e iluminação exterior.

No pomar, plantado aquando do início do projeto, as árvores crescem visivelmente, enquanto a ideia de uma horta — sugestão de alguns hóspedes — começa agora a ser explorada.

A reabilitação da casa “muito bonita” do Monte da Murta está, para já, adiada por falta de capacidade financeira. No entanto, a mais-valia natural da propriedade permitiu que fosse integrada desde logo no projeto de turismo Murta Landscape. “Pela área que a propriedade tem e pelos percursos que já existiam, utilizados diariamente para o maneio do gado, decidi acrescentar às estadias no Monte dos Coureleiros passeios de jipe pelo Monte da Murta, reservados exclusivamente a hóspedes”, conta Gonçalo Grácio, que divide o seu tempo entre a arquitetura e a agricultura, assumindo também o papel de guia nestes itinerários.

“O Monte da Murta tem um valor natural enorme pela paisagem e porque se situa no sopé da Serra de São Mamede”, sublinha. Dali avistam-se panorâmicas deslumbrantes sobre o Parque Natural, com o seu coberto vegetal onde convivem sobreiros e carvalhos, e uma grande diversidade de habitats. O percurso de jipe, com cerca de uma hora e meia, atravessa também locais históricos “muito interessantes, como ruínas romanas, vestígios de uma antiga aldeia do século XVIII, dis- putada entre Castelo de Vide e Carreiras, e hoje integrada nesta última, e um pequeno troço de calçada medieval”.

Gonçalo Grácio explica que a essência do projeto é não apostar num turismo de massas, algo que até agora tem conseguido. “A maior parte dos hóspedes são arquitetos, fotógrafos, designers, pessoas que reconhecem valor à casa e ao conceito”. Alguns pedem como complemento os passeios de jipe, outros preferem as bicicletas disponíveis para percorrer os 160 hectares do Monte dos Coureleiros e a área envolvente, incluindo o Menir da Meada, a apenas sete quilómetros, considerado o maior da Península Ibérica e o mais antigo do mundo.

Em ambos os montes, a atividade agrícola familiar mantém-se, despertando a curiosidade de muitos hóspedes, que gostam de assistir ao trato dos animais. “Foi também por isso que surgiram os passeios”, comenta o arquiteto, referindo que uma das paragens no percurso do Monte da Mur- ta permite o contacto direto com vacas e cavalos. “Nessa altura explico como funciona a dinâmica agrícola, as histórias das árvores e das propriedades, sendo a Murta especialmente rica em sobreiros”. A biodiversidade local permite ainda o avistamento de espécies emblemáticas do parque, como a águia-de-bonelli.

A beleza natural da Serra de São Mame- de teve um papel determinante na conceção do projeto turístico, que assume a designação Murta Landscape. “Faço questão de enfatizar este conceito: nos Coureleiros é a casa, na Murta é a paisagem”, resume Gonçalo Grácio, para quem a ideia sempre foi criar uma experiência de turismo intimamente ligada à serra e à natureza envolvente.

HÁ UM NOVO PROJETO EM CURSO

Prosseguindo no elogio a um Alentejo “um bocadinho diferente do restante”, marcado pela transição para a Beira Baixa, “com os seus afloramentos rochosos muito bonitos e a abundância de água, tão importante para a agricultura e rara noutras zonas do Alentejo”, o arquiteto destaca que, embora as propriedades integrem o Parque Natural de São Mamede, é no Monte da Murta que essa presença se sente de forma mais intensa, pela densidade do arvoredo, sobretudo de sobreiros, e pela quantidade de afloramentos rochosos. É também o melhor local para o avistamento de aves de rapina, como águias e abutres.

Aos 28 anos, Gonçalo Grácio, natural de Castelo de Vide, viveu sete anos em Lisboa en- quanto concluía a licenciatura em Arquitetura. Mas sempre teve como objetivo regressar a casa, pois manteve desde cedo uma forte ligação ao território e ao mundo agrícola. Em março deu início a mais um projeto: a reabilitação de uma casa medieval que adquiriu dentro do castelo de Castelo de Vide, a qual será integrada no projeto Murta Landscape, constituindo mais uma opção de alojamento pensada para um público diferenciado.

PARQUE MEGALÍTICO

Visitar o Parque Megalítico dos Coureleiros representa uma viagem no tempo aos milénios IV e III a.C. – constituído por cinco antas. O Parque já foi palco de várias investigações, primeiramente por Francisco Pereira da Costa no final do século XIX, mais tarde pelo Casal Leisner na sua passagem por Castelo de Vide no ano de 1949, assim como pelo professor Jorge Oliveira, que aqui realizou escavações em 1995. Destas escavações resultaram diversos achados, como moedas, vasos, machados, pontas de flechas, lâminas e contas. Foi também feito um levantamento arquitetónico das antas disponível para consulta na sua tese de doutoramento.

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