Guia eleitoral pela I Republica no Alentejo. Livro é lançado hoje

Nas eleições de há 100 anos o Alentejo elegia 18 deputados, num total de 163 - hoje são muito menos. As mulheres não votavam, os homens analfabetos também não, e as acusações de “chapelada” e compra de votos eram constantes. Um novo livro conduz-nos pelos oito atos eleitorais realizados entre 1913 e 1926. Luís Godinho (texto)

Durante a I República, lembra Manuel Baiôa, o Alentejo estava dividido em seis círculos eleitorais: Portalegre, Elvas, Estremoz, Évora, Beja e Aljustrel. Sucede que cada círculo elegia três deputados, pelo que a região estava representada no Parlamento por um conjunto de 18 deputados, num total de 163.

“Ou seja, o Alentejo elegia 11% dos deputados do país. Hoje é representado por oito, em 230, o que baixou a representatividade da região para apenas 3,5%”, assinala o historiador e coordenador de “As Eleições Legislativas no Alentejo Durante a I República (1910-1926)”, obra que será lançada esta sexta-feira, pelas 19h00, na Biblioteca Municipal de Beja. A apresentação estará a cargo de António Ventura, professor emérito da Faculdade de Letras de Lisboa.

O livro, explica Manuel Baiôa, resulta de uma investigação desenvolvida ao longo de vários anos no Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora. Organizado em 10 capítulos, oito dos quais dedicados às eleições propriamente ditas, das constituintes de 1911 às suplementares de 1913 e às legislativas de 1915 a 1925, o primeiro é dedicado à analise da legislação eleitoral, mas não só. 

À abordagem do que o autor denomina de “tópicos clássicos”, como os referentes aos eleitores, candidatos elegíveis, recenseamento eleitoral, método de escrutínio e círculos eleitorais, acrescenta o tratamento de “outros temas que normalmente não são objeto de análise pela historiografia portuguesa, como o processo de candidatura e o contencioso eleitoral, designadamente a análise da ação das assembleias de apuramento e das comissões de verificação de poderes”.

Já nos capítulos relativos aos atos eleitorais é desenvolvido um estudo sobre a respetiva “contextualização política”, do processo que conduzia à escolha dos candidatos, e que por vezes “originava disputas entre as lideranças nacionais e regionais”, à análise comparativa dos resultados, sem esquecer as campanhas eleitorais por vilas e cidades, os manifestos e as polémicas na imprensa. Os autores dão ainda uma atenção particular ao “clientelismo e ao caciquismo político, bem como às fraudes e irregularidades” que, então, eram frequentes.

Vejam-se, por exemplo, as legislativas de 1918, com o jornal “O Porvir” (Beja) a considerar que o “simulacro das eleições” representara uma “burla eleitoral” na qual o Governo se associara aos monárquicos “para a partilha dos votos”, sendo que os obtidos no distrito de Beja terão custado “bom dinheiro aos caciques”. Assinalam os autores da obra, citando a mesma fonte, que a terra “onde a manobra se fez com menos trabalho e menos despesa foi em Barrancos”, onde só votaram os elementos da mesa tendo, no entanto, existido “609 descargas nos cadernos do recenseamento eleitoral”.

Três anos depois dava-se preço aos votos. No concelho de Portel os democráticos eram acusados de comprar o voto “a um sujeito” de Amieira por 100 escudos, sendo que os liberais eram apontados como tendo comprado a 45 escudos nos concelhos de Moura e de Mértola. António Lino Neto, deputado e diretor do jornal “A União”, recebe uma carta onde o irmão, José, confidencia que chegou “a oferecer um conto de reis pela votação de Belver [Gavião]”. Uma pequena fortuna para a época.

Escrevem os autores que “a intimidação sobre os eleitores para votarem numa determinava lista podia ser exercida por várias formas” e contam uma, ocorrida em Portel: “O tal homem dos vivas, que V. Ex.a fitou é o célebre José da Silva Cipriano, fiscal de impostos, para o qual tantas vezes pedimos a sua transferência. E ainda agora anda pelas freguesias, como sucedeu em Alqueva, ameaçando os eleitores com os serviços de finanças da sua repartição, pelos quais pode aplicar multas. É o maior bilontra que aqui temos”, escreve José Luís Ferreira ao deputado Alberto Jordão.

Manuel de Brito Camacho, assinala Manuel Baiôa, foi talvez o alentejano “com maior projeção” durante a I República. Natural de Aljustrel, foi aluno do Liceu de Beja, tornando-se deputado republicano ainda no período monárquico ao ser eleito em 1908 pelo círculo de Beja, tendo sido ministro do Fomento e alto comissário em Moçambique. Em 1912 fundou a União Republicana, “um importante partido da ala conservadora do republicanismo”.

As diferenças em relação aos dias de hoje não se resumem ao desenho dos círculos. “A I República ainda não era uma democracia plena, faltava-lhe alargar o sufrágio a todos os portugueses maiores de idade, uma vez que as mulheres estavam afastadas do sufrágio e os homens analfabetos foram impedidos de votar a partir de 1913”, diz o autor, acrescentando que não se votava em partidos, mas em candidatos, que até podiam ser independentes, e que vigorava o sistema maioritário, podendo cada eleitor votar em dois candidatos.

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