Há 635 cuidadores informais no Alentejo. Mais de metade sofre de sobrecarga

Há no Alentejo 635 pessoas a quem foi reconhecido o estatuto de cuidador informal. Mais de metade sobre de sobrecarga por força do desgaste físico e psicológico. Uma em cada cinco sofre de sobrecarga intensa. Em Odemira, o projeto “CUI(DAR) +” ajuda a combater o “desamparo” dos cuidadores, na sua esmagadora maioria sem qualquer tipo de apoio por parte do Estado. Júlia Serrão (texto)

Praticamente deixam de viver em benefício de alguém que lhes é próximo e querido. Vivem em sobrecarga, e tem pouco apoio social e financeiro. O número de pessoas a quem foi reconhecido o estatuto de cuidador informal no Alentejo está muito aquém dos pedidos requeridos, sendo que haverá muitos mais para lá do registo oficial. 

Paula Zanoni deixou para trás os sonhos e uma carreira de 13 anos na restauração, em Inglaterra, e mudou-se para o concelho de Odemira para ser cuidadora informal dos pais. “O meu irmão viveu sempre aqui na região, inclusive foi o que ficou mais tempo em casa, agora que os pais precisam de cuidados desapareceu”, observa. 

A situação prolonga-se desde 2020 e Paula, de 51 anos, vive num estado de exaustão física e emocional muito grande: “A minha vida acabou. Deixei de viver, pois o meu pai e a minha mãe estão completamente dependentes de mim para tudo. Quem não passa por isto, não imagina o que é… o desgaste psicológico e físico! Estou com a coluna toda acabada, e nem tempo tenho para ir ao médico. É uma coisa sem explicação, que nos consome diariamente”. 

De acordo com o relatório anual da Comissão de Acompanhamento, Monitorização e Avaliação do Estatuto do Cuidador Informal, em 2023 havia 635 pessoas no Alentejo a quem tinha sido reconhecido o estatuto de cuidador, na sua maioria mulheres: 79,3%. Recebiam subsídio de apoio 266 pessoas, sendo a média do valor recebido de 320,12 euros. 

Mas há muitos mais cuidadores informais, para lá do registo oficial. São pessoas que não chegam a requerer o estatuto por saberem que não reúnem todos os critérios – por exemplo, não coabitam com a pessoa que cuidam – ou que não vão ter direito ao apoio por os seus rendimentos ultrapassarem, ainda que pouco, o estabelecido, refere Teresa Barradas, coordenadora direta da intervenção CUI(DAR) + destinada aos cuidadores informais e suas famílias. 

O projeto é promovido e executado pela Taipa Odemira, Organização Cooperativa para o Desenvolvimento Integrado, e tem o apoio financeiro do Município de Odemira. “Temos um total de 157 cuidadores, mas só menos de 10% é que tem o direito ao estatuto. Se não fosse o nosso projeto ficavam desamparados”, afirma. 

REALIDADE POR DETRÁS DOS NÚMEROS 

No distrito de Beja, foi reconhecido o estatuto de cuidador informal a 159 pessoas num universo de 418 pedidos e 101 recebem subsídio de apoio; no de Évora a 329 em 620 requerentes e 112 pessoas têm direito a subsídio; no de Portalegre há 147 cuidadores reconhecidos em 317 pedidos e só 53 recebem subsídio. A maioria cuida do filho nos distritos de Beja e Portalegre, e do pai/mãe no de Évora. 

Paulo Lopes, especialista em enfermagem de reabilitação na Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, alerta para o facto de “mais de metade dos pedidos solicitados” não serem concedidos, “refletindo uma falta de apoio efetivo aos cuidadores”. Para que este se concretizasse, diz que “era necessário rever os critérios para atribuição do estatuto de cuidador informal, de acordo com as reais necessidades da população”. O enfermeiro, que é coautor de um artigo científico no qual analisa a evolução do conceito de cuidador, considera que “o número de cuidadores informais sem apoio poderá crescer exponencialmente”. 

Questões culturais explicam o facto da maioria dos cuidadores serem mulheres: “a manutenção da imagem maternal, aquela que cuida”. Comenta: “O cuidador é sinónimo de carinho, conforto, afeto, acessibilidade, suporte, respeito, mas não pode ser sinónimo de mulher”. 

Os dados revelam também uma elevada taxa de cuidadores em sobrecarga. O que, segundo o enfermeiro, tem merecido “especial atenção de investigadores” com vista a compreender a “dimensão do problema e desenvolver aplicações originais” para o atenuar. Uma das intervenções é “a capacitação do cuidador, que permite desenvolver a sua literacia em saúde, nomeadamente no âmbito da prestação dos cuidados, área de atuação da enfermagem de reabilitação”. 

Segundo Teresa Barradas, a sobrecarga física e emocional é a principal dificuldade sentida pelos cuidadores “porque muitas vezes a situação que os leva a assumir o papel é repentina, não há preparação prévia”. Sentem insegurança sobre as suas aptidões para os cuidados, que muitas vezes são “exigentes e um pouco técnicos”.

Além do peso da função e a exigência física de cuidar, há as questões emocionais e psicológicas. Tudo junto representa “uma carga enorme para os cuidadores que, mesmo que tenham algum suporte de pessoas à volta, os leva a um sentimento de solidão extremo, porque a responsabilidade acaba por recair sobre eles”. 

A “DIFICULDADE” EM PEDIR AJUDA 

Ainda assim, nota que têm grande dificuldade em pedir ajuda, o que pode levar a que, “sem querer, os cuidados não sejam prestados da melhor maneira”. O apoio psicológico do CUI(DAR) + está também focado em trabalhar no sentido de o cuidador se consciencializar dos seus limites e pedir ajuda, recorrendo aos próprios serviços que englobam o descanso e os serviços especializados ao domicílio “para aliviar e competências, para que consigam prestar um cuidado com mais confiança”. 

Quando em 2019 arrancaram com a iniciativa ninguém queria apoio psicológico, mas nos últimos dois anos “os pedidos não só aumentaram, como muitas das ações” realizadas dirigem-se, precisamente, ao apoio psicológico gratuito. 

Os cuidadores abrangidos pelo CUI(DAR)+ usufruem de uma bolsa de 20 horas anuais a título gratuito, podendo com elas usufruir do descanso ou substituição ao domicílio e de apoio para higiene, com o profissional direcionado de acordo com a necessidade específica de cada caso. A intervenção tem ainda os ensinos especializados ao domicílio, com especialistas das áreas da fisioterapia, terapia da fala e terapia ocupacional. 

A previsão é que o número de cuidadores venha a aumentar, pois a resposta das instituições não está à altura de uma população cada vez mais envelhecida, sobretudo no Alentejo. E, por isso, serão “precisas mais Estruturas Residenciais Para Idosos e que a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados assuma extrema importância e deva cobrir todo o país”, defende Paulo Lopes. 

“Estes pacotes de intervenções providenciam períodos de alívio ou descanso efetivo aos cuidadores, libertando-os temporariamente das atividades inerentes à prestação de cuidados. Os bancos de ajudas técnicas também são grandes aliados para quem cuida dos seus em casa, pois cedem produtos de apoio que poderão ser efetivos” nesse sentido, sendo que “a aposta numa maior literacia do cuidador informal poderá ser a chave”, acrescente. 

Ainda de acordo com Paulo Lopes, compete ao Governo e às autarquias “combater esta situação, apostando num apoio efetivo à população idosa”, frisando que o valor médio do subsídio atualmente praticado, 320 euros mensais, é “claramente insuficiente para cuidar de uma pessoa com elevado grau de dependência”.

MAIS DE METADE SOFRE DE SOBRECARGA

Das 635 pessoas residentes no Alentejo a quem foi reconhecido pelo Estado o estatuto de cuidador informal, 56,4% sofrem de sobrecarga por força do desgaste físico e psicológico. Em 21,3% dos casos essa carga é “intensa”. Os dados oficiais indicam que 79,3% dos cuidadores são mulheres, com uma média de 56 anos. Cuidam sobretudo dos filhos (37%), do pai e/ou da mãe (30,37%) ou do cônjuge (14,47%). Só 266 destes cuidadores recebe subsídio de apoio, no valor médio de 321,12 euros. 

Partilhar artigo:

edição mensal em papel

Opinião

PUBLICIDADE

© 2024 Alentejo Ilustrado. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por WebTech.

Assinar revista

Apoie o jornalismo independente. Assine a Alentejo Ilustrado durante um ano, por 30,00 euros (IVA e portes incluídos)

Pesquisar artigo

Procurar