Identificado em Estremoz espólio único para o estudo do teatro em Portugal

O Centro de História da Arte e Investigação Artística (CHAIA) da Universidade de Évora vai iniciar um projeto de investigação sobre o espólio bibliográfico da Sociedade Filarmónica Artística Estremocense, a “União”. Luís Godinho (texto) e Mariana Miguéns (fotografia)

Fundada em agosto de 1871, a Sociedade Filarmónica Artística Estremocense albergou um grupo dramático, que terá acabado pouco depois da I Guerra Mundial. Mas é o espólio ali arquivado que despertou o interesse dos investigadores da Universidade de Évora, sendo que tudo começou com uma conversa de café. É Mário Tiago, presidente da Sociedade, conhecida como “União”, quem o conta: “Estava à conversa com o professor Pedro Silva, quando lhe mostrei a documentação que temos sobre o Grupo Dramático Estremocense, umas peças de teatro antigas… ele disse-me que conhecia uma pessoa que certamente gostaria de ver ou estudar o que ali se encontrava, e assim foi”.

Essa pessoa é José Alberto Ferreira, professor auxiliar na Universidade de Évora na área do teatro e ex-diretor artístico do Centro de Arte e Cultura da Fundação Eugénio de Almeida. “Combinámos e um dia lá fomos à sede da ‘União’ … o que era para demorar uma hora prolongou-se por uma manhã inteira e o professor José Alberto Ferreira conseguiu folhear cerca de 90 peças, na sua grande maioria datadas do final do século XIX, muito antigas, mas bem preservadas. Eram obras que os artistas conheciam e traduziam para serem estudadas pelo nosso grupo”, revela.

Daí à urgência de aprofundar o trabalho foi um pulo. “Sabe-se, por exemplo, que muitos destes autores são conhecidos a nível nacional, mas até agora não há registo de peças que tenham escrito. Podemos, finalmente, ter encontrado rascunhos de obras destes artistas, e peças de outros que até agora eram desconhecidos, embora fazendo parte da história do teatro português”, acrescenta Mário Tiago.

Para estudar todo este espólio, o CHAIA, a Sociedade Filarmónica Artística Estremocense e o Município de Estremoz vão assinar um protocolo, enquadrado, por um lado, na atividade que a Universidade de Évora desenvolve “no âmbito da investigação na área do teatro, do arquivo e do estudo de espólios documentais” e, por outro, no facto de a “União” dispor de “um espólio bibliográfico da área teatral de relevância para o estudo do teatro português e sua difusão no território ao longo dos séculos XIX e XX”.

O protocolo irá “formalizar a colaboração entre as partes, no âmbito da cooperação, produção de saber e difusão de conhecimentos, gestão e preservação de espólios bibliográficos materiais”, estando previsto “o estudo, identificação, listagem e caracterização dos espécimes bibliográficos existentes no espólio” da sociedade.

A ideia será organizar uma mostra bibliográfica, em Estremoz, bem como uma conferência apresentando o espólio e estudos sobre a sua relevância para o conhecimento do teatro português dos séculos XIX e XX e a edição de um livro “com os resultados do trabalho (estudo descritivo do espólio”. O trabalho irá prolongar-se durante um ano.

Mário Tiago acrescenta que, até ao momento, já foram reunidas “cerca de 90 peças” para estudar, digitalizar e “partilhar com o mundo”, a que se deverão somar outras que ainda nem sequer foram manuseadas. “Não se sabe, ainda, se algum dos autores era natural de Estremoz, mas sabe-se que são todos portugueses, apesar de alguns manuscritos serem traduções de peças escritas noutras línguas, textos que os artistas traziam para apresentar à população como forma de entretenimento”, acrescenta.

“Eu folheava aquilo”, conta o presidente da sociedade, “e sabia que era do nosso grupo dramático, mas não fazia ideia da importância que tinha. Sabia que havia ali peças antigas, mas nunca pensei serem obras únicas… aquele armário não era aberto há uns 50 anos. Fui eu que, por curiosidade, o abri e comecei a folhear aquelas peças”.

Mário Tiago chama-lhe “uma cápsula do tempo”, uma vez que aqueles papéis, “amarelados pela passagem do tempo, mas intactos e preservados”, foram ali depositados, tendo ficado esquecidos durante décadas.

“Julgo que algumas daquelas peças não devem ser mexidas há mais de 100 anos. É um espólio que é nosso, é um património nosso que não nos importamos de partilhar. Aliás, queremos mostrar que temos esta documentação, cujo estudo e exposição é preferível a estar fechada num armário”, refere o dirigente associativo, classificando de “incrível” o momento em que José Alberto Ferreira acedeu a este espólio: “Ele conhecia os nomes dos autores, as peças, o ano em que foram escritas”.

COLABORAÇÃO A TRÊS

A Universidade de Évora, o Município de Estremoz e a Sociedade Filarmónica Artística Estremocense vão assinar um protocolo de colaboração para “produção de saber e difusão de conhecimentos, gestão e preservação de espólios bibliográficos materiais” arquivados na “União”. À Universidade caberá assegurar os recursos humanos para a equipa do projeto, através da contratação de um bolseiro, enquanto o Município irá garantir refeições para a equipa de investigação, bem como o espaço e condições de montagem da exposição bibliográfica. Finalmente a Sociedade compromete-se a garantir a disponibilidade do espólio identificado, bem como o acesso ao espaço e a difusão dos eventos previstos (exposição, conferência, publicação).

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