Que estes 10 anos passaram depressa, disso não resta dúvida. “Foi a fugir”, desabafa António Cuco “Parece que foi ontem que estava a carregar a carrinha com a minha mulher para irmos entregar as primeiras encomendas”. Estávamos em 2014, e essas primeiras garrafas seguiram para “locais de referência no consumo de gin”. Um deles foi a Taberna Moderna, em Lisboa, projeto do galego Luís Carballo, ainda hoje um “local de culto” no que a este destilado diz respeito.
Por essa altura, o consumo de gin tinha virado moda, novos projetos apareciam a um ritmo alucinante e para que o Sharish ganhasse notoriedade tornava-se imprescindível estar nos sítios da moda, como o Gin House, no Porto, ou o Gin Lovers, em Braga. Andaram também pelo Bar 120, nas Caldas Rainha, pelo Columbus, em Faro, por muitos outros locais de norte a sul do país.
“Enfim”, resume António Cuco, “fizemos apresentações em muitos sítios e lembro-me perfeitamente desses tempos, dos nossos primeiros clientes, até porque agora, quando fizemos a edição de aniversário, enviámos garrafas de oferta a todos eles, como forma de agradecimento por terem acreditado no projeto”.
À hora que conversamos, 10h45 de uma vulgar quinta-feira, não se pode dizer que a destilaria de gin, a mais antiga do país, seja um local propriamente sossegado. Minutos antes tinha estacionado um autocarro com uns 50 turistas norte-americanos a caminho do Algarve. Esta é uma paragem habitual para muitos turistas. “Somos o ponto mais visitado de Reguengos de Monsaraz, fazemos cerca de 12 mil visitas guiadas por ano, gratuitas. Todos os dias há visitas guiadas, às 11h00 ou às 15h00, sem marcação. Basta aparecer”, revela o produtor, garantindo não encarar estas visitas como “fonte de negócio”.
A ideia é que as pessoas conheçam o processo de destilação, a forma como são feitas as infusões, o tipo de botânicos utilizado, se são frescos ou secos, o engarrafamento. “O mais importante é que quem nos visita se identifique e goste da marca”. Depois, bom depois haverá de chegar o momento de comprar uma garrafa, seja na loja, ou mais tarde, num qualquer outro local, quando a oportunidade surgir.
Nascido numa terra de vinhos e com formação em turismo, a sua ligação ao gin é tudo menos óbvia. Professor de turismo na escola de Reguengos, viu-se no desemprego quando o curso acabou, em 2013. Os dias, esses, começaram a ser passados no restaurante de família onde, “muito por influência de um grupo de amigos”, já havia algumas referências de gin, não uma ou duas, talvez umas 50, para permitir provas de vários tipos. Foi aí, “num almoço daqueles que durou até à noite”, que alguém lançou o desafio: “Giro era teres aqui um gin que fosse o teu, o da casa. Nos outros sítios há bagaços, ou licores, tu tinhas um gin”.
Entusiasmado com a ideia, “fez-se-me um clique”, António Cuco recorreu a informação na internet e a uma panela de pressão adaptada para “começar a testar umas receitas. O meu conhecimento sobre isto era pouco mais de zero, sabia que era feito no alambique e que levava zimbro”. O resto é história. Chegou a duas receitas que lhe pareceram ter potencial, encheu duas garrafas e pôs-se a caminho de Lisboa para as dar a provar “ao pessoal da Fever-Tree [marca de água tónica], ao César Coutinho, ao Bruno Sapateiro, ao Bruno Pereira”.
Uma das receitas ainda é a do Sharish original, “acharam que deveria lançá-la em primeiro lugar”, a outra era de tangerina… ficou esquecida. “Recuperei-a agora para a edição comemorativa do 10.º aniversário. Estava a folhear o meu livrinho de receitas, dei com ela e achei que seria perfeito para assinalar a data”. A marca, essa, foi buscá-la ao árabe antigo. Sharish significa esteva e, mais que isso, era a forma como os árabes denominavam a povoação que hoje conhecemos como Monsaraz: chamavam-lhe Monte Sharish, um “monte erguido num impenetrável brenhal de estevas”.
Garante António Cuco que sim, que nesse momento inicial estava mesmo convencido “do potencial do projeto, e da capacidade de cumprir a função para a qual tinha sido pensado, criar o próprio emprego e ser a minha fonte de rendimento”. Decorridos 10 anos é muito mais que isso, e esse crescimento meteórico nem pelos seus melhores sonhos passaria.
“Nunca pensei que fosse fonte de rendimento de 14 pessoas, as que trabalham diretamente na destilaria, e de outros oito que trabalham com a marca, no marketing ou nas vendas. Se há 10 anos me dissessem que teríamos 22 pessoas a trabalhar no Sharish acharia impossível, por muito bem que o negócio pudesse correr”, refere. A faturação de 300 mil euros no primeiro ano mais que quadruplicou, a marca impôs-se.
“Chegámos numa altura em que as pessoas estavam muito predispostas a provar gin, hoje estão mais saturadas, o mercado está muito carregado de marcas muito pequenas”, diz António Cuco. Quero dizer que chegar primeiro foi uma garantia? “No nosso caso”, responde, “a garantia foi as pessoas provarem. E, depois, tivemos a felicidade de gostarem do nosso produto, de continuarem a consumir e de o sugerirem aos amigos”. Dito de outro lado, “no meio de tantas marcas, as pessoas tendem a refugiar-se nas que conhecem e de que mais gostam”.
Quando à destilaria chegam grupos de turistas, como os norte-americanos desta quinta-feira, muitos deles até já provaram o Sharish. Os prémios também ajudam, e não é pouco. Ainda agora, em maio, o Lisbon Bar Show, o maior evento do género realizado no país, classificou o Sharish Destiller’s Cut como “produto português do ano”. O melhor gin feito em Portugal. É o topo de gama da casa. Diz a ficha técnica que tem um “perfil clássico, com notas cítricas a lima keffir, bergamota e ligeiras notas florais”.
No portefólio há três referências sempre disponíveis: a original, o Blue Magic Gin, cuja cor azul se deve à infusão de uma variedade de ervilha tropical e que, ao ser servido, muda de cor, e o tal Destiller’s Cut, em garrafa preta, apresentado como “a receita do patrão”. Depois, há edições limitadas. “Fazer sempre a mesma receita não tem piada nenhuma, gosto de experimentar coisas novas”, assegura.
Aqui chegados, já se percebeu que a “assinatura” de António Cuco enquanto destilador passa muito pela utilização da fruta e, sobretudo, da fruta portuguesa. “Utilizamos, por exemplo, a maçã bravo de Esmolfe, a pera rocha do Oeste, casca de limão e tangerina que produzimos, ou que alguns amigos trocam por garrafas de gin”, exemplifica, explicando que a opção “tem a ver com uma questão de identidade. Se vou fazer um produto que é português quero utilizar produtos nossos, a maçã bravo de Esmolfe não existe em mais lado nenhum do mundo, o sabor da laranja não é igual ao nosso. É tudo isto que nos traz genuinidade, autenticidade”.
A exportação tem sido outra das apostas. “Já representou 60% da faturação, baixou com a covid-19, estamos agora nos 40%, mas em contrapartida subimos no mercado nacional”. Inglaterra é o primeiro mercado de exportação, a que se seguem países “onde há uma forte comunidade portuguesa”. Explica que o produtor que a entrada nesses mercados fez-se pela emigração portuguesa: “Quando vinham de férias a Portugal provavam o Sharish, levavam uma garrafas que bebiam com os amigos, ofereciam aos patrões e o pessoal começou a beber e a gostar”.
Quanto a projetos, António Cuco aponta o principal: “Entrar em pré-reforma aos 50 anos. É essa a ideia. Faltam cinco para passar à geração seguinte, já lhes estou a dar mais responsabilidades”.