Criação das bandas de música, depois da Revolução Francesa de 1789 – numa das primeiras manifestações de classes de ofícios e outros grupos sociais do associativismo em Portugal, onde se compreenderam, além das filarmónicas, as mútuas, cooperativas, sindicatos e outras entidades colectivas que procuravam corresponder a uma situação que se configurava fortemente ameaçadora das classes médias e da generalidade dos trabalhadores.
Todavia, os sinais mais claros da organização popular entre nós, surgiram nos alvores do liberalismo, com o triunfo da Carta Constitucional, em 1834, ao desmoronar-se o regime violento e opressor do miguelismo.
Na 2.ª metade do Séc. XIX surgiram em Évora os primeiros agrupamentos filarmónicos, concretamente na década de 1860: os FORMIGÕES Academia de Mi- nerva, seguidos pelos Alunos de Minerva, que o povo, jocosamente, alcunhou de CHOURIÇOS, e ainda, a PRIMEIRO DE DEZEMBRO – esta, efémera – bandas que se submeteram aos grupos políticos dominantes na época, ambos monárquicos, mas que se guerreavam duramente: os Progressistas e os Regeneradores.
Dessa rivalidade nasceu a dissolução dos agrupamentos artísticos, facto que originou a constituição, devido ao espírito conciliador do flautista emérito, Joaquim Gregório de Sousa, do Grupo de Amadores de Música Eborense, em 10-11 de Novembro de 1887. Havia, ainda, a Banda da Real Casa Pia de Évora.
1.ª Sede: Rua João de Deus, antiga Rua Ancha; 2.ª Sede: Teatro Garcia de Resende – Salão Nobre, por cedência generosa do Dr. Barahona, depois de 1892, e Teatro que o mesmo e a respectiva Comissão Ins- taladora haviam doado à Câmara Municipal de Évora. 3.ª Sede: Convento das Mónicas, a S. Mamede, no 1.º andar. 4.ª Sede: Convento das Mercês, no regime de aluguer, com o subsídio de 200$00 mensais. 5.ª Sede: Regresso a Santa Mónica, após as obras de transformação do andar principal para Escola de Instrução Primária. Ocupava duas salas térreas – sala de ensaios e sala de baile.
Em 1920: período de crise provocada pela fundação da Banda 13 de Outubro, instituída pelo caudilho político, Dr. Barros Carapinha. Chamada a Banda da Malagueta, em virtude da cor vermelha do seu fardamento. Sede actual: Rua do Raimundo, desde 1928. Melhoramentos no edifício, propaganda associativa, renovação instrumental, novos fardamentos. Regente memorável: José Dionísio; mais antigo: Rio de Carvalho; ulterior: Capitão Pires da Cruz. Quota mensal: 2$50. Alcançou o número de 700 sócios e a banda atin- giu. nessa época, o número de 45 figuras.
Memórias. DIÁRIO do adolescente.
1929: Aprendizagem de solfejo. Mestre Paulino. Influência do grande músico João Rafael Marques, 1.º bombardino e 1.o violino do Eden-Teatro.
Março de 1930: Regressei ao aprendizado dos Amadores.
Abril, dia 12: Recebi, do maestro José Dionísio, o instrumento preferido – a flauta.
Julho, dias 27 e 28: Festival de música instrumental popular, promovido pelos Amadores, no qual se exibiram, no Jardim Público, as Bandas de Palmela, Harmonia, de Reguengos, Montemor-o-Novo (Círculo Montemorense) e Casa Pia de Évora. De Reguengos veio um comboio especial, com muitos visitantes, e de Montemor, outras excursões, grupos que se constituíram em cortejos pelas ruas da cidade.
Agosto, dia 14: Recebi, do Sr. Dionísio, o clarinete, depois de ensaios na requinta de clarinete em mi bemol. Professores os Senhores Ramos e Belbute.
Agosto, dia 23: O maestro José Dionísio, que tinha sido regente de banda regimental, entregou-me pessoalmente, as pautas do primeiro ordinário, de ensaio individual, intitulado O PASSADO.
Fim de Agosto: Ensaio da marcha espanhola, MANTONCITO, de Crespon.
Setembro, dia 26: Demissão do maestro Dionísio, com o último ensaio, dedicado, exclusivamente à peça, O MADURO.
Outubro, dia 17: Primeiro ensaio do novo regen- te José do Nascimento Fonseca, que lançou na estante a peça EL NIÑO DE LA PALMA.
Dia 29: Principiei o estudo da 4.ª parte da Ópera CAVALARIA RUSTICANA.
Dia 31: Primeira noite que toquei à estante, integrada na banda completa. Ensaios do ordinário espanhol EL NIÑO DE LA PALMA e a CAVALARIA RUSTICANA, de Mascagni.
Novembro, dia 18: Sétimo ensaio da banda, com dois ordinários: passo-doble O MANUELINHO e TREO-CHIM-PUM.
Dia 24: Demissão do regente Fonseca, após desacordo com membros da direcção e de elementos da banda, durante o ensaio na sede.
Novembro, dia 25: Ensaio geral sob a batuta do contramestre Sr. Ramos. Tocou-se, apenas, o HINO DA RESTAURAÇÃO. Nesta noite o requinta Sr. Gomes, distribuiu os novos fardamentos de Inverno, de flanela de lã toda de azul, calça listada de vermelho, casaco justo, agaloados, na mesma cor, botões amarelos e boné alto, acordoado a ouro e listões encarnados.
Dia 26: Pelas nove horas da noite reuniram-se na sede e sala grande de ensaios, todos os aprendizes de música, e alguns filarmónicos veteranos, no total de 15, tocando, várias vezes, o patriótico HINO DA RESTAURAÇÃO, sob a regência do Sr. Gomes.
Dezembro, dia 1: Meu baptismo público de músico dos Amadores. Saída de madrugada, da sede, pelas 6,45 horas. Composição do Grupo: 42 elementos, dispostos em sete filas, que foi acompanhado por numeroso grupo de habitantes vitoriando a Restauração de Portugal. Seguiu-se o seguinte itinerário: Praça do Giraldo, Quartel General, Comando de Polícia – Governo Civil -, Câmara Municipal (esta vistosamente iluminada), Redacções dos diários Notícias d’Évora e Democracia do Sul. Colaborei, com meu irmão Otelo, João Pires e João Barradas, dos Amadores, nos agrupamentos tunas de instrumentos de cordas, em desfiles nas ruas da cidade. De noite, assisti ao baile festivo da sede dos Amadores.
Dia 5: Primeiro ensaio do novo regente, capitão Pires da Cruz (que veio de Montemor-o-Novo), com a marcha alemã ALTE KAMERADEM, e a continuação da Ópera italiana CAVALARIA RUSTICANA (N.º 39), e estreia da peça FANTASIA ROMANTICA. Agradou a todos os presentes – músicos e associados – a apresentação do novo regente. Este primeiro ensaio, que teve início pelas 21 horas, terminou passante das 24 horas.
Dia 10: Ensaio da turma palhetas – clarinetes, saxofones, flautas e sendo distribuídos os instrumentos bocais nas terças-feiras e o ensaio geral nas sextas-feiras. Tocou-se a marcha germânica ALTE KAMERADEM e a FANTASIA ROMÂNTICA, lenda de L. Montaigne.
Dia 12: Décimo terceiro ensaio: das 21 às 23,30 horas. Além das duas peças mencionadas, ensaiou-se o ordinário FLORIPES, de S. Ribeiro.
Dia 23: Décimo sexto ensaio, e segunda vez que toquei com a boquilha ao contrário. Tocou-se o Hino do Grupo e a mesma marcha alemã.
Dia 29: Minha segunda saída pública com os Amadores, durante o 66.º Aniversário do Diário de Notícias. Houve desfile nocturno, com archotes acesos, pelas principais ruas da cidade, tocando-se a marcha alemã ALTO CAMARADA e o ordinário espanhol EL NIÑO DE LA PALMA. Houve soirée no Eden-Teatro, oferecido à rapaziada e para as meninas, uma matinée no Salão Central Eborense. Foram espectáculos muito concorridos também por familiares dos convidados.
Dia 1 de Janeiro de 1931: Choveu torrencialmente durante todo o dia, o que impossibilitou a saída da Banda pelas ruas da cidade. Todavia, a direcção dos Amadores ofereceu aos seus elementos, um beberete na própria sede, durante o qual falaram: o tesoureiro, senhor José Correia; o arquivista José de Mira Neto; João Rafael, 1.º bombardino e ex-contramestre da banda; e o regente, Sr. Pires da Cruz. Efectuaram-se, na sede, de tarde, matinée, e de noite baile muito vistoso.
Dia 6, Reis Magos: Recebi, das mãos do regente, um novo clarinete, o qual fora comprado ao prof. Xavier Adão, membro da orquestra-jazz CRUZ DANCE.
Janeiro, dia 30: Ensaio geral, onde se tocaram o passo-doble espanhol, de J. Pacheco, e a Ópera, completa, CAVALARIA RUSTICANA.
Fevereiro, dia 10: Ensaio parcial de peça castelhana UNA NOCHE EN CALATAYUD, e a CAVALARIA RUSTICANA.
Dia 12: Ensaio da cegada carnavalesca, na sede dos Amadores, para saída durante o Entrudo, tocando-se três ordinários passo-doble, dois quaternários e uma valsa. O grupo era regido pelo 1.º trompete de Montemor.
Dias 15 e 16, Rei Carnaval: Saída da cegada funambulesca IMPERIAL DO VASO, composta por 18 figuras, sendo doze executantes, a qual foi considerada a mais excêntrica que percorreu as ruas da cidade. Em percurso tocaram-se as marchas da Real Casa Pia Eborense,SPEARMIT e O ARGONAUTA; na ssociedade, a valsa SEVILHA, as ALFACINHAS e O CIGANO.
Disposição dos elementos: Pat e Patachon, respectivamente, Almeida e Caixeirinha (muito parecidos com os originais); Jaime Galinha, vestido de mulher, pandeireta; Miguel Ramalho, patachon mais velho e outro personagem muito bem caracterizado, pandeiretas; Inácio Roque, saxofone barítono, de matrafona; Ilhéu, bombardino, de clown; Nicolau, clavicórdio, de madona antiga; Roque, trompa, de romeira; Plácido, clarinete, de mulher excêntrica; Aleixo, clarinete, dama do Séc.XVIII; Silva, clarinete, de matrafona; Barradas, saxofone-sopra- no, de senhora da alta roda; Heliodoro, bombeiro, de judeu errante; Paco, pratos, de espanhola; Modesto, caixa, de plebeu antigo; meu irmão Otelo, porta bandeira, clarinete; e eu, finalmente, também clarinetista, mascarado de oficial de marinha.
Dia 17, fim do Entrudo: A Banda IMPERIAL DO VASO, terminou a sua actuação brincalhona, percorrendo as principais ruas da cidade, praticamente com a mesma composição, desta feita envergando lençóis e fitas coloridas, imitando albornozes árabes e com outras excentricidades, o que foi motivo de muita galhofa popular. Aceitavam-se gratificações voluntárias, as quais renderam 380$00, e se gastaram numa patuscada monumental.
Dia 25: Inspecção da Arma de Artilharia Ligeira N.º 1, na qual fiquei apurado simultaneamente com mais quatro mancebos voluntários, inscrito na 1.ª Bateria, unidade onde cumpri o serviço militar como recruta, praça pronta de condutor e de 1.º cabo, durante três anos. Exercitei três instruções normais, uma transferência temporária para Artilharia N.º 3 de Lisboa (após a Revolução de Agosto de 1931); tirei a especialidade de sinaleiro de transmissões do alfabeto orográfico; frequência das escolas regimentais; compus alguns álbuns didácticos desenhados; e, finalmente, dirigi a oficina regimental de barbearia, o que me libertou de muitas rondas, patrulhas nocturnas e outros serviços do quotidiano militar.