Com cerca de 500 internamentos e 2.500 consultas por ano, a insuficiência cardíaca é a segunda maior causa de pressão no Hospital Amadora-Sintra, onde a resposta à patologia se multiplica entre urgências, enfermarias, ambulatório, cuidados primários e telemonitorização domiciliária.
O peso da insuficiência cardíaca (IC) no dia-a-dia da Unidade Local de Saúde (ULS) Amadora-Sintra exige uma organização rigorosa dos cuidados, como explica o coordenador da Unidade de Insuficiência Cardíaca (UIC): “Temos centenas de admissões no serviço de urgência anualmente e, na cardiologia, a média de internamentos ronda os 400 a 500 doentes por ano”.
Durante uma visita da agência Lusa à UIC, recentemente distinguida com a Acreditação Plena pela Sociedade Europeia de Cardiologia, que reconhece os melhores centros de tratamento a nível mundial, o cardiologista destacou que “a insuficiência cardíaca é a segunda fonte de produção hospitalar”, ficando apenas atrás da pneumonia no número de altas hospitalares.
Realçou que é uma patologia com “uma taxa de mortalidade muito alta”, que “ultrapassa largamente a de muitas doenças oncológicas”. Um dos desafios no combate à IC é o diagnóstico precoce, uma vez que os sintomas são transversais a outras doenças, mas David Roque referiu que existem sinais de alerta, como cansaço fácil, falta de ar, inchaço das pernas e da barriga. Muitos doentes vão-se adaptando às limitações, fazendo cada vez menos coisas.
Só quando são questionados começam a perceber que já não conseguem brincar com os filhos ou netos como dantes, não conseguem subir escadas sem parar para descansar e têm de alterar os seus percursos para evitarem ruas inclinadas.
Segundo um estudo nacional realizado em 2024, a IC afeta 16,5% da população com mais de 50 anos, ou seja, um em cada seis portugueses, valor que duplica acima dos 70 anos. A prevalência da doença também varia consoante a região, atingindo 29% no Alentejo e aproximando-se dos 20% em Lisboa e Vale do Tejo.
A UIC no Serviço de Cardiologia funciona dentro do hospital e tem um projeto de ligação aos cuidados de saúde primários, designado “Coração no Centro”, através do qual são realizadas reuniões regulares para discussão e referenciação mais rápida de doentes.
“É impossível que sejam exclusivamente os médicos do hospital a seguir e a tratar estes doentes. Portanto, é preciso apoiar os médicos dos cuidados de saúde primários para fazer o diagnóstico assertivo e atempado da doença”, assim como o acompanhamento adequado dos doentes, defendeu.
O Serviço de Cardiologia conta ainda com uma unidade intermédia para o tratamento de episódios agudos e com um espaço no Hospital de Dia, onde os doentes podem receber tratamento em momentos de descompensação, evitando internamentos e idas às urgências
Outro dos pilares da resposta é a telemonitorização domiciliária. Atualmente, cerca de 150 doentes são seguidos remotamente com recurso a um dispositivo que o paciente tem implantado ou equipamentos como medidores de tensão arterial, oxímetro e balança disponibilizados pelo hospital.
Os dados são automaticamente enviados para o hospital e, em caso de alerta, a equipa contacta o doente para perceber se está a descompensar, se é necessário ir ao hospital de dia, antecipar a consulta ou apenas ajustar a medicação, explicou David Roque.
Os custos associados à IC são muito elevados. Segundo o especialista, uma estimativa antiga apontava para cerca de 500 milhões de euros anuais, a maioria com internamentos. “Agora temos uma prevalência quatro vezes superior (…) e vai continuar a crescer. Portanto os gastos são gigantescos”, disse, defendendo que é preciso garantir a sustentabilidade do sistema, organizando-o para tratar as doenças crónicas no ambulatório, tratando os fatores de risco que levam à IC.
A resposta consolidada à insuficiência cardíaca no Amadora-Sintra é fruto de um trabalho que começou há duas décadas com a cardiologista Ana Oliveira Soares, que criou a primeira consulta especializada em 2005. Durante anos, trabalhou sozinha até que, em 2015, David Roque, ainda interno, se juntou à causa.
Desde então, a equipa cresceu, o modelo de cuidados evoluiu e o reconhecimento chegou, dentro e fora de portas. “Estes doentes são sempre muito complexos”, mas hoje o hospital consegue acompanhá-los em todas as etapas da doença, salientou Ana Oliveira Soares.