Jorge Araújo: “Café Arcada”

A opinião de Jorge Araújo, professor emérito da Universidade de Évora

Corria já o ano de 1942, quando São Valentim, indiferente aos cavalos do apocalipse que espezinhavam a terra e esventravam os homens, cumpriu o calendário. 14 de fevereiro! … como era diferente São Valentim em Portugal! “Nem a frase subtil, nem o duelo sangrento”… em Évora, as famílias reuniram-se num jantar festivo, particularmente glamoroso para muitos casais bafejados pelo “amor coração, o amor sentimento”, que se deixaram inebriar pelo champanhe e embalar pelo jazz com que a Orquestra Luz e Vida animou o evento desse dia: a inauguração do Café Arcada!

O Café Arcada era sumptuoso! Abriu com mais de 100 mesas, telefone, frigorífico e porta giratória igual àquela que o famoso Café Chave d’Ouro lisboeta exibia desde a renovação modernista de que fora alvo em 1933.

Lá dentro, uma tabacaria – o Charuto – com atendimento feminino, disponibilizava as melhores marcas de tabaco, e facultava notícias da guerra e da moda. Na pastelaria, as deliciosas queijadas de Évora desafiavam o pecado da gula. Num piso superior, os senhores da elite endinheirada dispunham de uma barbearia, onde manicures roliças lhes faziam as unhas e satisfaziam a pulsão masculina pelo galanteio.

O bom exemplo, mote destas crónicas, devemo-lo ao atual gerente do Arcada, o Sr. José Coelho, que teve a coragem de reabilitar o histórico café e o mérito de o fazer conjugando a sustentabilidade económica com o respeito pelo património cultural, mantendo o mobiliário e o característico ambiente de meia-luz. Alguns adornos seriam dispensáveis. 

É verdade que já não há jornais, charutos e manicures, mas a fotografia da orquestra lá está, num painel exposto numa das paredes. A exemplo de alguns cafés da sua época, como a Brasileira do Chiado, o Arcada também não escapou ao Modernismo. Repare-se no desenho das letras que compõem o nome do café, detenhamo-nos no minimalismo que caracteriza o mobiliário estruturado em tubo niquelado, lembremo-nos do jazz, que acompanhava os sábados à noite e as tardes de domingo.

O Café Arcada é sem dúvida um estabelecimento emblemático que se destaca pelo seu papel na história cultural e social de Évora, ponto de encontro de comerciantes, altos funcionários públicos, profissionais liberais e, às terças-feiras – dia do mercado de gado (dia de “são porco”) – de latifundiários e rendeiros.

A espessura histórica de Évora faz-se da estratificação secular das culturas popular e erudita, de eventos, de obras valorosas (daquelas que libertam da lei da morte, quem as promove).

De tudo isso, são testemunho as facas corticeiras que a Drogaria Azul ainda vende (embora já não sejam fabricadas na Azaruja), a doçaria conventual perpetuada no Pão de Rala, as cadeiras modernistas do Café Arcada, etc. O Modernismo foi movimento artístico que cunhou a arquitetura, o design, as artes plásticas e a moda desde algures no século XIX, espraiando-se, depois, pela primeira metade do século XX, e acabando por ser apropriado pelo poder político. Évora não escapou ao Modernismo, discretamente presente no Café Arcada.

Partilhar artigo:

ASSINE AQUI A SUA REVISTA

Opinião

BRUNO HORTA SOARES
É p'ra hoje ou p'ra amanhã

PUBLICIDADE

© 2025 Alentejo Ilustrado. Todos os direitos reservados.

Desenvolvido por WebTech.

Assinar revista

Apoie o jornalismo independente. Assine a Alentejo Ilustrado durante um ano, por 30,00 euros (IVA e portes incluídos)

Pesquisar artigo

Procurar