Jorge Araújo: “Educar não é como encher chouriços”

A opinião de Jorge Araújo, professor emérito da Universidade de Évora.

É comum ouvir dizer que, hoje, se lê pouco. Não disponho de dados que possam contrariar essa convicção, que alguns expressam com nostalgia do passado. Contudo, se esse passado se refere ao “tempo da outra senhora”, então discordo frontalmente, pois sabe-se que nesse tempo, 25% de nós, portugueses, não liam de todo, pela simples razão de que eram analfabetos. Acresce que bastava que se soubesse escrever o próprio nome, para escapar a essa categoria.

Nos liceus que frequentei, não havia qualquer incentivo à leitura livre. Havia uma lista de obras clássicas portuguesas, algumas em português arcaico, enfadonhas para os miúdos que éramos, de leitura obrigatória. Ponto. Depois dessa experiência, não sobrava grande apetite para visitar outras literaturas.

Tive a sorte de nascer numa família que prezava a leitura e praticava profissionalmente a escrita, e crescer entre livros, pelo que, desde muito cedo, fui incentivado a ler e a constituir a minha própria biblioteca; e, desta forma, salvar-me da mediocridade promovida pelo Estado Novo.

Recentemente, fui convidado a participar numa sessão do “Projeto de Leitura” do 8.º ano da Escola Básica Conde de Vilalva, em Évora. Fiquei maravilhado perante o exercício promovido pela Sr.a Prof.a Maria Celeste Guerreiro, envolvendo uma vintena de jovens. Alguns apresentaram os livros que livremente tinham escolhido, de autores nacionais ou estrangeiros, lendo trechos e concluindo com uma breve recensão da obra. Excelente exemplo!

Exortei-os a continuarem a ler, lembrando-lhes que nós pensamos com palavras. Nenhum dos nossos pensamentos, por mais abstrato que seja, foge à dependência da palavra. Assim, quanto mais palavras conhecermos, mais elaborado poderá ser o pensamento formulado. Mas as palavras combinam-se em frases, e estas constroem-se segundo regras.

A escrita é, por conseguinte, o exercício complementar da leitura, indispensável à formação dos jovens, que amanhã, como adultos, terão em mãos não só a sua própria vida, como também o dever de contribuir para o desenvolvimento da comunidade.

Um recente inquérito promovido pela OCDE à literacia dos povos europeus revelou que os adultos portugueses se destacam entre os que manifestam menor grau de literacia, entendendo-se esta como a capacidade de ler e compreender um texto. No que se refere à numeracia, também ombreamos com os piores. A culpa será dos professores? De certeza que não!

Depois do 25 de Abril, todas as universidade se lançaram na formação de professores. Em alguns anos, formaram-se milhares de professores das diversas disciplinas, habilitados com competências pedagógicas. Mas ocorreu um erro grosseiro por parte de quem governa: o de pensar que havia professores a mais quando, na verdade, o que havia, era turmas a menos.

Com turmas sobrelotadas, professores desvalorizados, indisciplina nas escolas, não pode haver ensino de qualidade; trabalha-se para a estatística, vangloriando-nos que temos a geração mais bem formada de sempre. Talvez seja, mas não chega! A OCDE veio demonstrá-lo!

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