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Jorge Araújo: “O mecenato”

A opinião de Jorge Araújo, professor emérito da Universidade de Évora

Cerca de mil estudantes oriundos de Africa e de Timor, têm podido estudar na Universidade de Évora graças ao apoio que recebem do Fundo de Apoio Social aos Estudantes, um fundo criado em 2012 para gerir os donativos provenientes de dezenas empresas, fundações e outras instituições. Este é um bom exemplo que merece ser realçado, pois, para além de viabilizar a formação superior de muitos jovens oriundos de países de língua portuguesa, na Universidade de Évora, constitui um ato de solidariedade para os povos que partilham connosco páginas da história.

O mecenato social está enraizado na idiossincrasia portuguesa por via da nossa matriz cristã cujas raízes mais ténues penetram nos tempos remotos da ocupação visigótica ou talvez antes. Pelo contrário, o mecenato científico encontra na nossa cultura nacional fraco acolhimento.

Ao contrário de outros países, onde as universidades são acarinhadas com vultuosos apoios financeiros por parte de entidades privadas, em Portugal, nem a criação de legislação específica do mecenato científico, nem o convite aos empresários para participarem no governo das universidades, os incentiva a “abrir os cordões à bolsa” quando se trata de apoiar a produção de conhecimento.

Na verdade, às indústrias, basta-lhe meter a mão no “saco do conhecimento universal” e dele extrair o que necessitam para conceber novas tecnologias e desenvolver novos negócios, sem cuidar de onde ele veio e quanto vale. O conhecimento está ali, em crescimento contínuo, sempre disponível, genericamente a custo zero.

Já pensou, leitor, quanta investigação fundamental se encontra incorporada num smartphone? Incomensurável, pode crer; a maior parte, no âmbito da física e da química, enquadrada em projetos de investigação financiados pelos países, através dos impostos públicos, em que os investigadores não contam as horas de trabalho. O mesmo se pode dizer da agricultura intensiva em que cada gota de água que pinga ao pé de uma planta, trás consigo a “sabedoria” da fisiologia vegetal, da pedologia, da química, da sanidade vegetal, da domesticação do azoto e do fósforo, da mecânica de válvulas, da computação e do comando remoto, etc.

Raros são os casos de empresários que aceitam apoiar universidades sem exigência de retorno. O bom exemplo foi-nos dado por um homem que muitos louvam, mas poucos seguem: Rui Nabeiro. O mecenato científico protagonizado pela Delta, que permitiu a criação da Cátedra da Biodiversidade na Universidade de Évora (Cátedra Rui Nabeiro) é exemplar de como um apoio financeiro judiciosamente direcionado e calibrado pode ser indutor de uma virtuosa cascata de competência, traduzida em dezenas de diplomados e em centenas de resultados científicos.

Tem-se vindo a assistir, é certo, a uma progressiva aproximação das empresas às universidades. Não nos iludamos, contudo. Na realidade, essa aproximação não consubstancia qualquer ação de mecenato científico, mas tão somente a contratualização a baixo custo de serviços de pesquisa, de consultoria ou de análises rotineiras.

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