Saí de casa e chamei um Uber; o condutor era paquistanês. Ao chegar à estação da CP, comprei um jornal; a vendedora era brasileira. A leitura dos títulos apela imperativamente a um cafezinho. O meu apetite por um alcaloide moderado foi satisfeito por uma “balconista” cabo-verdiana. Uma vitrine espelhada mostrou-me quanto o cabelo havia crescido. Entrei num barbeiro; o oficiante era brasileiro, nordestino. Finalmente, cheguei ao meu destino, o palacete oitocentista que embeleza a Praça do Sertório, todo ele coberto por andaimes.
À janela do meu gabinete, dois operários cuidavam da pintura das vergas ogivais da janela, conversando num francês magrebino. À hora de almoço, procurei uma esplanada. Fui servido por uma jovem africana que se expressava em português correto, matizado por um sotaque que me lembrou os meus alunos da Universidade Metodista de Angola.
Enquanto me deliciava com um excelente “pica-pau” e uma imperial, fui surpreendido por um amigo que se abeirou da mesa para me cumprimentar: um jovem de origem ucraniana. Era menino quando chegou a Portugal com os pais e o irmão, à procura de futuro digno. Acompanhei a sua linha de vida. Hoje, é licenciado pela Universidade de Évora e exerce funções de grande responsabilidade numa sucursal bancária. Este é o exemplo que escolhi como mote para a crónica mensal: uma família imigrante a quem o país propiciou condições de sobrevivência e valorização. Hoje, são todos portugueses. A filha já nasceu por cá e vai entrar na universidade.
Quando a demografia nos aponta como cenário plausível a insustentabilidade de Portugal enquanto nação, por força da baixa natalidade, do envelhecimento da população e da fuga dos jovens qualificados, é imperioso que os poderes públicos assumam que a imigração é uma oportunidade imperdível.
A oferta de trabalho e de alojamento dignos são as condições basilares de acolhimento que se esperam de um país que subscreveu a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A criação de oportunidades para o reencontro familiar e o acesso aos cuidados de saúde são requisitos indispensáveis para que os imigrantes se sintam confortáveis e se integrem na nossa sociedade.
A democracia anulou o analfabetismo crónico e potenciou (e bem!) a ascensão social, mas deixou a descoberto funcionalidades indispensáveis e desvalorizou socialmente profissões tradicionais, que hoje são exercidas por imigrantes. Sem eles não teríamos coletores de frutos, pedreiros, pintores, canalizadores, cuidadores… Seríamos como um automóvel dotado de tecnologias de topo, mas sem rodas!
A crise que se verifica na construção civil espelha a dramática dependência que o país tem relativamente à mão-de-obra exógena. Enquanto isso, o Estado, enredado em burocracias que ele próprio inventa, tarda em legalizar os imigrantes que se arrastam em filas, às portas de serviços entorpecidos.
Na espuma, proliferam as máfias que extorquem os imigrantes prometendo-lhes alojamento e trabalho, a troco de dinheiro. Imigrantes, precisam-se. Compete ao Estado acolhê-los… bem!