Jorge Araújo: “Os telhados municipais”

A opinião de Jorge Araújo, professor emérito da Universidade de Évora

Escrevi anteriormente que o sol é uma benesse para o Alentejo, e que deveríamos renascer com o espírito inovador que fez Portugal, grande. Mas não é isso que está a acontecer. Portugal e um terço dele, que é o Alentejo, comportam-se como um país subdesenvolvido, preguiçoso, que entrega os seus recursos ao primeiro que chegar e pagar qualquer coisinha.

Exemplo dessa postura é precisamente o aproveitamento da energia solar, para onde confluem os três amigos da vida airada: “Cocó”, “Ranheta” e “Facada”. “Cocó” é o Governo sensu lato que descura o património e é incapaz de ordenar o território: não sabe ou não quer dizer onde se podem “plantar” painéis solares, sem prejuízo para a paisagem, para a biodiversidade, para o potencial agrícola do país ou para o património histórico.

Sob o epíteto de “Ranheta” agrupam-se os proprietários preguiçosos, que desmerecem a condição de fiéis depositários de parcelas do território nacional (sim, ser proprietário é um eufemismo; o dono é Portugal), que não veem o que é bom, ou não, para a Pátria (que, em geral, dizem idolatrar).

“Facada” são os capitais sem rosto que encontram no Alentejo a “mina de ouro a céu aberto e sem guarda”, que podem aproveitar para vir captar a energia solar, por tuta e meia. Se os deixássemos, cobririam Portugal de painéis ‘made in China’. “Cocó”, “Ranheta” e “Facada” juntam-se à esquina a tocar à concertina, a cantata do “interesse nacional”.

Sim, é do interesse nacional captar a energia solar, domesticá-la de modo a tornarmo-nos independentes dos poços de petróleo e de seus mandantes. Mas é preciso estudar onde poderemos instalar a tecnologia de modo a minimizar os impactes que lhes são inerentes.

Portugal tem agora, face à Lei do Restauro da Natureza, da União Europeia, um tempo curto para definir as parcelas de território que deverão ser objeto de restauro ecológico até 2030. Não faz sentido comprometer território com parques solares por períodos a perder de vista, sem uma prévia reflexão sobre “onde” e “como”.

Portugal é deficitário em alimentos, sendo a agricultura a base de todos eles. Alienar terras com potencial agrícola revela irresponsabilidade na gestão do território. Portugal é um país antigo, detentor de um património histórico invejável. É certo que não cuidamos dele devidamente, que abandonamos menires e antas, moinhos de vento e de água, igrejas e castelos, ao “Deus dará”. Mas daí a “olharmos para o lado” quando esses monumentos e os respetivos acessos, colidem com o interesse dos par- ques solares, revela incúria.

Entretanto, conhecem-se inúmeras localizações para instalação de captadores de energia solar que não prejudicam o ambiente, o património ou o setor agrícola: ensombramentos de estacionamento automóvel, telhados, separadores de autoestrada, fachadas de vidro, etc.

Um bom exemplo é-nos dado pela Câmara Municipal de Évora que renova a cobertura da sua sede, o Palácio dos Condes de Sortelha com recurso a soluções tecnológicas inovadoras de captação de energia solar. Parabéns para a CME.

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