AEDIA assinala 30 anos. A barragem foi construída há 23. Na sua opinião, foram duas décadas que revolucionaram o Alentejo?
Acho que toda a gente faz esse retrato porque, de facto, a água veio trazer opções culturais que os proprietários e os exploradores da terra não tinham, veio provocar uma alteração também nesses atores, pois muitos não conseguiram ter “unhas para tocar a guitarra” do regadio, digamos assim, e não quiseram fazê-lo. Por isso, houve também uma grande mudança da propriedade e do acesso à terra… em muitos casos, a propriedade mantém-se, mas o acesso à terra foi alterado. Com esta mudança cultural concretizada temos uma região completamente diferente. A construção da barragem teve um impacto económico extraordinário.
Quer deixar alguns números?
Os números são, de facto, extraordinários, já o sabíamos por várias vias, seja pelo que vamos acompanhando das transações, um terreno que valia cinco passou a valer 20 ou 30, mas também dos investimentos de reconversão agrícola que são muito significativos… quando vimos chegar a Portugal projetos no valor de dezenas de milhões de euros, isso foi também uma novidade, que Alqueva veio trazer. Depois, permitiu trazer outros agentes, fundos de investimentos, que não estávamos habituados a ver em Portugal. Se não fosse o projeto de Alqueva nunca estaríamos nos radares desses fundos, desses decisores.
E isso é bom ou mau?
Acho que é positivo. Não podemos ficar surpreendidos por ter acontecido, de facto, o que tínhamos planeado. Portugal desejou e planeou uma mudança. Essa mudança aconteceu, mais rápido e até com um padrão de impacto mais relevante do que aquele que estava inicialmente previsto. Nós só podemos é congratular-nos por isto ter funcionado. Só quem desconhece quais eram os objetivos do projeto de Alqueva é que pode ficar insatisfeito com a mudança que aqui originou.
Mas, porém, não estagnou o despovoa– mento, há problemas estruturais, como esse, que se acreditava poderem ser resolvidos pelo empreendimento e isso não sucedeu.
Há estudos que mostram que o regadio é essencial a travar o despovoamento e isso pode comprovar-se estatisticamente. A nossa sensação empírica também já o tinha observado. Podemos não inverter a perda de população, mas diminuímos substancialmente a sua velocidade, sobre isso não há dúvida nenhuma, é uma realidade estatística. Se calhar, todos os concelhos do Alentejo perderam população, mas aqueles que têm regadio perderam a uma velocidade muito menor que os outros. Porquê? Porque o regadio precisa de mais trabalho, de mais mão-de-obra. Para fazer um hectare de regadio são necessárias mais pessoas do que no sequeiro e, portanto, há emprego que está a ser criado e fixado nestes milhares de hectares de regadio que aqui temos.
Era expectável que o olival crescesse tanto?
Não, de todo, não era. Inicialmente, o que se imaginava era uma região essencialmente povoada com culturas anuais. O milho e o tomate eram as duas culturas de referência do regadio nacional, há 30 anos. E, portanto, era isso que os engenheiros de então achavam que poderia ser o regadio em Alqueva. Se calhar, com mais fábricas de concentrado de tomate e com mais secadores de milho. Mas hoje, essas culturas, face à relação rendimento-risco que apresentam, não são tão interessantes como a cultura do olival, onde essa relação é interessantíssima.
Tal como o amendoal?
O amendoal também, com um rendimento maior, mas com um risco também maior. Se colocarmos isto num gráfico, vemos que quanto maior é o risco, maior é o rendimento. Agora, nem toda a gente quer estar lá no topo do risco e do rendimento. Há pessoas que, pelo seu perfil, pela sua aversão ao risco, preferem estar mais abaixo nessa escada, não terão um rendimento tão elevado, mas o risco também será mais baixo.
A questão era para conduzir ao seguinte: tem referido que o preço da água de Alqueva é relativamente baixo. O que, na prática, quer dizer que o Estado está a subsidiar fundos de investimentos que vieram para cá. Esta é uma leitura possível?
É uma leitura possível, mas não concordo com essa visão uma vez que, independentemente da origem do capital, a agricultura é desenvolvida aqui na região, não é desenvolvida num paraíso fiscal do outro lado do mundo. O capital veio de outro lado, mas a agricultura e os postos de trabalho estão aqui, a riqueza está a ser criada aqui, os fatores de produção são comprados aqui e o produto, muitas vezes, é vendido aqui. Pode também dizer que os fundos de investimento vendem o azeite a granel, para fora. E então? Poderia ser criada mais riqueza no Alentejo? Claro que sim, mas Roma e Pavia não se fizeram num dia…
É o que é!
Os agentes económicos são racionais. Não podemos, estando fora, achar que somos muito mais espertos do que quem está dentro do negócio e que tomávamos muito melhores decisões do que aqueles que são especialistas e que fazem disso a sua vida. Quando um agente económico qualquer, um produtor de azeite, vende a granel, foi porque já fez essa análise e tomou a decisão de não engarrafar. Claro que reduziria o risco comercial, mas estava a entrar numa atividade que muitas vezes não lhe interessa, até porque há muitos que o fazem muito melhor, há operadores que só fazem isso, criam marcas e colocam-nas nos supermercados.
Voltemos então à pergunta que ficou em aberto: a água de Alqueva está, de facto, a ser vendida a um preço barato?
Essa é sempre uma decisão política, uma decisão relativamente à qual nós, enquanto concessionários, não temos voto na matéria. Podemos fazer sugestões, mas não temos capacidade de decisão. É sempre uma decisão dos ministros da Agricultura, das Finanças e do Ambiente. A nossa proposta tem sido fazer com que o preço seja igual ao custo. Ou seja, que a empresa esteja apenas a passar o seu custo de funcionamento para os beneficiários e não seja uma máquina de gerar dinheiro. Essa tem sido a nossa sugestão e o Estado tem concordado com ela, tem abordado o preço de Alqueva apenas do ponto de vista legal, garantindo que os custos de operação e adução são repassados para o utilizador. Podemos querer fazer política com o preço da água. Acho que é uma opção que está em cima da mesa, mas não tem sido a recomendação da EDIA, nem a opção do Governo.

Tendo em conta a escassez de água, que se agrava, não se deveria pensar em regular a procura através do preço?
Há várias maneiras de controlar a procura. Uma vez que não está na nossa esfera de decisão a mexida no preço, temos de nos fazer valer de outros instrumentos para alcançar esse fim, e existe na legislação uma figura, que é o Plano Anual de Utilização da Água, onde podemos pôr restrições aos volumes utilizados.
Restrições que, por exemplo, são consideradas excessivas por alguns estudos.
Eu diria que há determinados grupos de pressão que dizem isso. Quem está de um lado do campo tenta sempre “puxar a brasa à sua sardinha”, usar os argumentos que fazem valer melhor os interesses do grupo que está a defender. E, portanto, tecnicamente, as necessidades de uma cultura podem ser X ou Y, mas isso não quer dizer que essa seja a distribuição ótima do recurso e aquela que cria a máxima riqueza na região. A nossa decisão tem sido sempre privilegiar esta segunda vertente, ou seja, como é que eu, com este recurso, consigo maximizar a riqueza na região. Vou dar um exemplo concreto relativamente à expansão. Nós podíamos não ter feito expansão nenhuma.
O alargamento do perímetro de rega?
Podíamos não o ter feito… se não o tivéssemos feito, na maior parte dos anos, a nossa concessão não era esgotada. Isto é, não íamos gastar toda a água que nos está atribuída e, com isso, não iríamos maximizar o desenvolvimento da região. A opção foi outra, foi fazer um plano de expansão para garantir que, na maior parte dos anos, estamos muito próximos do volume concessionado, chegando a outras geografias. Alguns poderão pôr em causa essa decisão, assumindo a expansão pois, dispondo de hidrante, poderiam regar fora da área que está definida. Mas isto, do ponto de vista do desenvolvimento regional, também não é muito interessante, porque há outros concelhos, outras geografias, que ficavam de fora. Se quiser, a nossa opção foi “repartir o bem pelas aldeias”, pegar no recurso água e chegar o mais longe possível para que esta transformação que nós entendemos virtuosa do sequeiro para o regadio aconteça em mais locais.
Bom, mas a água de Alqueva já chega a Alcácer do Sal, dentro em breve ao Algarve. Não são já necessidades a mais?
É outra crítica… como se diz, “preso por ter cão, agora por não ter”. De acordo com o nosso planeamento, os recursos que temos permitem ao sistema chegar aos sítios onde estamos a planear chegar. A única água do Guadiana que chegará ao Algarve será por via da captação no Pomarão. Esta tem um conjunto de investimentos que já estão negociados para acomodar esse pedido adicional e que tem a ver com a mobilização das ribeiras a jusante de Pedrógão e a montante do Pomarão. Portanto, entre o fim do nosso sistema, Pedrógão, e o ponto onde temos de assegurar a água a essas captações no Pomarão existem muitas ribeiras e iremos fazer estruturas para aproveitar ao máximo a água dessas ribeiras e evitar que Alqueva tenha de descarregar todos os volumes necessários adicionais.
Mas terá de descarregar alguma coisa e, de facto, quando se pensou o empreendimento não foi para encher piscinas no Algarve. A pergunta é se está tranquilo quanto à capacidade de resposta, se não haverá já demasiada gente “pendurada” no Alqueva?
Tranquilos nunca estaremos e ainda há a questão dos precários, cujas áreas estão fora do perímetro…
Alguns com culturas permanentes.
Isso… há muitos precários que vêm bater à porta, mas respondo sempre que precários somos todos, pois o São Pedro não assina contrato. Temos um recurso que tem uma garantia estatística, não existe qualquer garantia contratual. Alqueva dá para três ou quatro anos de seca? Dá, se… ou seja, há uma série de condicionantes que têm de ser observados.
Cada vez dará menos, se as necessidades foram sendo cada vez maiores.
Verdade, mas estamos sempre a gerir probabilidades. Queremos é que a probabilidade de entrar em colapso seja tão baixa quanto razoável. Não vejo problema em ter um plano de expansão, este plano que está em cima da mesa, não mais do que isso. Se pensarmos em outras ligações, outras áreas de regadio, temos de ir buscar água a outros sítios. Para o que está hoje em cima da mesa, portanto, a ligação ao Monte da Rocha e às áreas da Vidigueira, de Reguengos e de Moura, os recursos que temos são suficientes. No caso do bloco de Reguengos, se tudo correr bem, teremos obras a começar no fim do verão.

Mourão também já tem reclamado um bloco de rega?
Mas Mourão não tem, nem nunca teve, previsto qualquer bloco. O concelho de Mourão tem uma configuração um pouco estranha, com uma área muito grande junto à fronteira, na sua esmagadora maioria classificada do ponto de vista ambiental, na Rede Natura 2000. Na parte que não está classificada, temos o [denominado] aproveitamento da Aldeia da Luz, que rega cerca de mil hectares porque tem precários, e uma área com títulos de utilização de recursos hídricos, captações diretas autorizadas, também para algumas centenas de hectares. Essa reclamação já vem do passado, tentámos encontrar áreas que poderiam ser regadas, e não encontrámos. Existe apenas uma área, a sul de Mourão, de tão pequena propriedade que não faz sentido do ponto de vista económico, e nem os proprietários estão interessados. Os proprietários que estão interessados em regar têm as explorações dentro da área protegida, onde não faz sentido o Estado estar a definir uma zona de conservação e a permitir uma agricultura intensiva, no mesmo território.
A EDIA divulgou recentemente um estudo, segundo o qual o Estado português já recebeu mais do que o valor que investiu em Alqueva. Essa conclusão surpreendeu-o?
Não, não foi surpreendente, pois já tínhamos feito um estudo parecido em 2015, com o professor Augusto Mateus, e na altura, relativamente aos impostos adicionais, portanto, à questão fiscal, as coisas já eram semelhantes. Agora essa diferença é mais acentuada porque, entretanto, se instalaram mais áreas de regadio, mais indústrias, mais turismo, há um desenvolvimento muito maior em mais 10 anos de atividade. Do ponto de vista dos impostos adicionais, já ultrapassámos os 3.400 milhões de euros, sendo que o investimento público em Alqueva foram 2.450 milhões. E se olharmos apenas para a parte de verba que saiu do Orçamento do Estado, e não do que veio da Europa, estamos a falar de mil milhões, que corresponde ao capital social da EDIA. Ou seja, o esforço que saiu da carteira dos portugueses já foi retribuído em três vezes.
E o que é que conclui daí?
Concluo que foi um belíssimo investimento público. Se todos os investimentos públicos fossem assim, estávamos a viver num país fantástico. Porque valia a pena o Estado fazer este esforço de investimento público, pois sabia que teria o retorno.
Aqui no Empreendimento de Alqueva há novas culturas a serem instaladas?
Com alguma expressão não há propriamente novidades, mas há sempre coisas novas, como o bambu ou o figo da Índia. Terão alguma expressão no contexto global do empreendimento? Não, mas são novas culturas. Como surgiu há dois anos a do manjericão, que tem uma pequena escala no contexto do Alqueva, mas uma escala muito significativa a nível nacional. Ou o melão, por exemplo, com 1500 hectares neste perímetro de rega, que correspon- dem a metade do mercado nacional. E, no passado, chegaram a fazer-se mil hectares de papoila, uma cultura que desapareceu por completo, pois outras geografias no mundo superaram essa produção.
Se isso acontecer com o olival, ou com o amendoal, estaremos mal.
Estaremos mal, mas é difícil que aconteça. Com a amêndoa é mais fácil, pois o mercado mundial é dominado pelos Estados Unidos que têm 400 mil hectares de amendoal super produtivo. A média de produção de um amendoal californiano é superior a três mil quilos por hectare e cá, quando chegamos aos dois mil quilos, dizemos que é espetacular. Estão noutro campeonato. Quando ali acontece um soluço, ou um ano muito bom, o mercado responde. No primeiro caso o preço vem para cima, no segundo valoriza menos.
Num cenário desses, haveria capacidade para substituir culturas?
Acho que há sempre capacidade de substituir culturas, mesmo as permanentes, pois os agricultores estão habituados a isso. E há muitos, por exemplo no olival, que estão a tomar essas decisões, avançando com reconversões de culturas, o mesmo acontecendo com algumas variedades de amêndoa que se percebeu não serem as adequadas para a região. É sempre possível reconverter as culturas.