De maio a novembro, o Festival Terras sem Sombra (TSS) regressa aos palcos alentejanos, desta feita na sua 20.ª temporada, data simbólica que, segundo a organização, “assinala a continuidade (e a resiliência) de um projeto com provas dadas, cujo percurso artístico o tem colocado entre os projetos territoriais de maior interesse à escala europeia, como foi reconhecido, recentemente, pela crítica da especialidade”.
A abertura acontecerá nos próximos dias 25 e 26 de maio no concelho de Mértola – “toda uma referência patrimonial, mas também artística e científica” –, palco para o primeiro concerto da temporada, e para as habituais atividades de promoção da biodiversidade e do património cultural.
Inspirado numa canção popular portuguesa, o tema da edição deste ano, “Liberdade, quem a tem chama-lhe sua’: Autonomia, Emancipação e Independência na Música (Séculos XII/XXI)”, “serve a dois tempos, de memória dos 50 anos de Abril, agora comemorados pelo Terras sem Sombra, que também faz da expressão liberdade uma afirmação da natureza intrínseca” ao festival.
“O facto de o Alentejo ter sido – e continuar a ser – uma região aberta ao mundo inspirou-nos a mostrar as pontes que existem entre a música europeia e as correntes artísticas, de feição erudita (e não só), que, noutras zonas do globo, se apropriaram dessa tradição e a desenvolveram de acordo com os seus contextos culturais próprios. Há mais mundo do que o podemos imaginar à primeira vista”, refere José António Falcão, diretor-geral do TSS.
É esse “mundo” que na presente temporada do TSS se irá expressar numa “forte presença italiana, expoente europeu da grande música”, tendo Itália como país convidado. A vertente internacional da programação encontra os contributos de outros horizontes artísticos, das Filipinas à Áustria, da República Checa à Bélgica, da Sérvia à Espanha, sem esquecer o Brasil.
“Até novembro deste ano, mais de 30 atividades relacionadas com a música, o património e a biodiversidade, encontram palco nos concelhos de Mértola, Ferreira do Alentejo, Coruche, Castelo de Vide, Vidigueira, Odemira, Sines, Montemor-o-Novo e Beja”, acrescenta o diretor-geral, revelando que estão igualmente agendados “dois concertos surpresa a anunciar oportunamente”.
De acordo com José António Falcão, a “grande preocupação” do festival “é a de que o Alentejo proporcione, a quem aqui vive e a quem nos visita, uma temporada musical qualificada, algo que não existia antes do Terras sem Sombra e que não é líquido que possa existir se este festival desaparecer. A cultura é o que nos afirma, é o que nos permite ser nós próprios e nos torna interessantes aos olhos dos outros”.
Já Sara Fonseca, diretora-executiva, sublinha que o TSS “revela um Portugal diferente, autêntico”, ano após ano. “Não nos interessam grandes operações mediáticas, nem multidões que varrem as cidades e vilas durante umas horas e depois deixam o vazio: acreditamos numa presença regular, capaz de envolver as comunidades locais e de infraestruturar a região para a tornar mais sustentável”.
“É lamentável que em certos concelhos não se hesite em atirar ao vento 60 ou 70 mil euros, quando não mais, para um concerto de música comercial, igual ao que se faz em qualquer outro sítio, e depois não se disponibilize um décimo desse valor para escutar Beethoven ou Lopes-Graça com a participação de intérpretes qualificados”, acrescenta ainda Sara Fonseca.
FIM DE SEMANA ENTRE DOIS CONTINENTES
Quanto ao fim de semana de abertura da temporada, o destaque na componente musical vai para a presença das notáveis sopranos filipinas The Nightingales, acompanhadas ao piano pelo maestro português Nuno Margarido Lopes (na fotografia).
A noite de 25 de maio (21h30) levará à igreja de Nossa Senhora de Entre-as-Vinhas, a matriz de Mértola, que já foi mesquita, o concerto “Para Além das Nuvens: Vozes das Filipinas”, oportunidade para acompanhar um arrojado alinhamento de temas, com obras de Agustin Lara, Robert Delgado, Ryan Cayabyab, entre outros, a par de peças de autores portugueses.
“As Filipinas representam, hoje, uma extraordinária constelação musical, com criadores e intérpretes de altíssimo nível, que ganham protagonismo nos palcos globais. The Nightingales constituem um exemplo muito interessante desse sopro de ar fresco que é ainda pouco conhecido na Europa, mas tem despertado grande entusiasmo nos Estados Unidos, no Japão e noutros países bastante atentos aos novos rumos da música”, assinala José António Falcão.
Nascido em 1975, em Vila Franca de Xira, Nuno Lopes – um virtuoso do piano – estudou no Instituto Gregoriano de Lisboa e completou a formação na Escola Russa de Arcos do Estoril. Iniciou em 1997 a sua colaboração com o Teatro Nacional de São Carlos, onde exerce atualmente as funções de pianista da Orquestra Sinfónica Portuguesa, maestro correpetidor e assistente do maestro João Paulo Santos, sendo diretor artístico e musical do Ensemble São Bernardo.
O fim de semana em Mértola completa-se com uma visita ao património, na tarde de 25 de maio (15h00), sob o tema “De Complexo Mineiro a Património Cultural: A Mina de S. Domingos”, oportunidade para “revisitar um marco económico e social daquele território”, sob a orientação do geólogo João Matos, cientista do Laboratório Nacional de Geologia e Energia.
A fechar o programa, a manhã de 26 de maio (9h30), está reservada ao momento de biodiversidade, sob o título “Por Terras de Vale Formoso: O Solo, Marco de Herança e Obra de Esperança”, que terá como guia a geógrafa Maria José Roxo, professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, também responsável pelo Centro Experimental de Erosão de Solos (herdade de Vale Formoso).