Lojas encerradas. Os dias difíceis do comércio tradicional no Alentejo

O Alentejo perdeu um terço das lojas localizadas no centro das capitais de distrito. Devolver as cidades às pessoas passa por criar incentivos ao comércio tradicional. Maria Luísa Ferrão (texto)

Palco polarizador da vida económica e social de uma cidade, o centro histórico continua a ser um repositório da memória coletiva da cidade onde se cruza a atividade económica, social e cultural, embora menos pujante nos dias que correm. Para alguns, esta geografia é, ainda hoje, o lugar de eleição para viver, um sítio de encontro, de partilha e de afeto. A vida do centro histórico já teve altos e baixos e vai refletindo os sinais dos tempos.

Nos anos 80, a cidade expandiu para a periferia com o aumento da população, o que gerou uma nova oferta comercial materializada nas grandes superfícies comerciais que empurraram o centro histórico para os bastidores. Este novo paradigma afetou diretamente o comércio tradicional que, em muitos casos, deixou de ser sustentável.

No Alentejo, nos últimos 15 anos, um terço das lojas fechou, sendo que o distrito de Portalegre foi a região mais afetada. A mítica Rua Direita, uma das mais movimentadas da cidade, que começa no Hotel José Régio e termina no Café Alentejano, um ex-libris do Alentejo, hoje fechado, já teve melhores dias.

João Mourato que trabalha há 32 anos na Papelaria Arco Íris recorda que há uma década havia um movimento de transeuntes que hoje desapareceu. “As pessoas vinham ao centro histórico passear, comprar uns sapatos ou uma peça de roupa. Na véspera do início da escola, os pais encomendavam aqui os livros e todo o material escolar. Depois almoçavam, lanchavam, os cafés e as pastelarias estavam cheios. Havia toda uma dinâmica que foi desaparecendo, a meu ver, devido à abertura das grandes superfícies comerciais na periferia, associada à perda de população, sobretudo jovem, que se tem verificado neste distrito”, acrescenta.

João Mourato chegou a fazer parte da Associação Comercial de Portalegre, que encerrou em 2019. Posteriormente, os comerciantes juntaram-se e criaram a Associação de Comerciantes da Rua Direita, presidida por Fernando Romão, que ainda hoje tem aberta ao público a Boutique Romão, com o objetivo de dinamizar o comércio na rua que, apesar de ter menos lojas, oferecia ainda uma gama variada de produtos, desde as sapatarias, ao pronto a vestir, lojas gourmet com produtos tradicionais como vinhos, azeite e a famosa boleima de Portalegre. No entanto, esta associação também acabou por fechar portas e, neste momento, no centro histórico de Portalegre os comerciantes estão cada um por si.

A Câmara tem tentado requalificar o edificado, assim como, alguns monumentos que sofreram profundas obras de restauro, como é exemplo a Igreja da Sé. Também em termos de habitação, a autarquia tem apostado em progra- mas de requalificação, mantendo a traça antiga das fachadas, e criando condições para a oferta habitacional aumentar nesta geografia da cidade, com o objetivo de repovoar o centro. Foram criadas algumas bolsas de estacionamento gratuitas, um apelo às pessoas para irem ao centro, e têm sido promovidas várias campanhas que pretendem incentivar a população a comprar no comércio tradicional.

A Anaraf, que existe há 24 anos, foi uma das lojas de vestuário multimarca, que decresceu as vendas após a abertura do centro comercial El Faro em Badajoz. Mas a família Casado sempre acreditou que melhores dias viriam e, apesar de não terem sido fáceis os anos da pandemia, apostou na abertura de uma segunda loja do grupo, dedicada ao calçado e acessórios. Para isso teve muita influência o otimismo do filho, Luís Casado, advogado num escritório em Lisboa, mas sempre com um olho em Portalegre no negócio que o viu crescer.

“Estávamos a atravessar o período da pandemia e senti que tinha de fazer algo para ajudar os meus pais. A loja tem um grande significado para a minha mãe e para o meu pai, que tem um lado mais pragmático, queria fechá-la porque estávamos a perder dinheiro. Além disso, tínhamos uma colaboradora a trabalhar, com quem temos uma ótima relação e não queríamos que ela fosse para o desemprego. Comecei, aos poucos, a embelezar o espaço, colocámos uma iluminação mais contemporânea e iniciei o contacto com novas marcas, fazendo uma triagem a este nível. Sempre optámos por vender marcas nacionais e de origem europeia porque acreditamos que têm mais qualidade. Recorri também ao marketing digital, divulgando a loja nas redes sociais e as coisas começaram a melhorar”, explica Luís Casado acrescentando que há cerca de dois anos abriram a sapataria onde também se vendem malas e acessórios.

O critério de seleção das marcas é a qualidade do tecido e a confeção. Além disso, criaram mais um posto de trabalho e, devido ao facto de muitas lojas de roupa terem fechado, os responsáveis pela Anaraf acabaram por centrar a oferta e a procura que existia em Portalegre. Luís Casado acredita que a Rua do Comércio volte a ser o centro comercial a céu aberto que já foi e defende que os negócios familiares devem ser incentiva- dos já que fixam os jovens e animam a economia local.

“Ter um franchising não é a mesma coisa do que ter um espaço que vende produtos locais, mas o importante é existirem lojas na Rua do Comércio”, diz Luís Casado, salientando a proliferação das chamadas “lojas dos chineses”, situadas em espaços amplos, no centro da cidade, que não espelham a cultura e a identidade da região.

“E sabemos que os turistas procuram os produtos locais e que isso é o que nos diferencia”, acrescenta, referindo que nota que agora há mais turistas e até residentes estrangeiros no centro. Relativamente à fixação de novas empresas, Portalegre também continua a ser um dos distritos com mais desafios nesta área.

Jorge Pais, que presidiu Núcleo Empresarial da Região de Portalegre (Nerpor) afirma que a Rua do Comércio é um reflexo do distrito. “A cidade de Portalegre é a única no país sem uma ligação viária pelas antigas autoestradas sem portagem. Estamos aqui metidos entre dois corredores de desenvolvimento. Um que passa pelo sul Lisboa, Évora, Elvas e Badajoz e o outro, a norte pela A23, Castelo Branco, Covilhã, Guarda onde estão as universidades. O distrito de Portalegre está um pouco encurralado, sem ser atravessado por nenhuma linha viária e mesmo a linha férrea que existia de ligação com Espanha está fechada”, afirma Jorge Pais.

Com constrangimentos nas acessibilidades e na mobilidade não se criam empregos e também não há mão-de-obra. Algumas empresas que criavam muitos postos de trabalho fecharam, há cerca de duas décadas, como a Robinson ou a Fábrica de Lanifícios de Portalegre. Esta última chegou a empregar cerca de duas mil pessoas o que representa mais de 10% da população ativa da cidade. Este encerramento teve um grande impacto no distrito e muitas pessoas ficaram desempregadas. Atrair novas multinacio- nais para o distrito tem sido um dos objetivos do Nerpor.

A fábrica Hutchinson, que produz peças para a indústria automóvel, sediada em Portalegre há 25 anos, vai investir cerca de 4,5 milhões expandindo a sua área de negócio tendo em conta o mercado dos carros elétricos e a hidrogénio. Para isso vão criar-se mais 150 postos de trabalho a acrescentar aos 740 já existentes.

Jorge Pais refere a volatilidade destas empresas que, apesar de fixarem pessoas, podem facilmente mudar de país de acordo com as condições que lhes sejam oferecidas. “Esta empresa não é nacional, nem sequer regional, portanto não tem aquela ligação com a região, mas, com certeza, que tem dado uma perspeti- va de continuidade e de segurança”, acrescenta o empresário, dando o exemplo da Johnson Controls que esteve 12 anos em Portalegre e que acabou por sair para um país mais central da Europa, mais próximo dos seus clientes.

Por essa razão, será central criar um tecido económico local sólido e aqui o comércio tradicional é determinante. Jorge Pais lamenta que pouco se tenha feito para combater a perda de população e que, na hora da verdade, os governantes deixem sempre para o final da lista os investimentos viários no distrito.

O Nerpor tem feito um trabalho intenso junto do governo ao procurar demonstrar a necessidade de se qualificarem os acessos viários. “Algumas melhorias foram feitas, mas ainda há muito caminho para andar. A ligação por via rápida entre Castelo Branco, Portalegre com ligação à A6 seria muito interessante e daria outro ânimo à região”, acredita o presidente do núcleo empresarial.

Portalegre diferencia-se no sector dos vinhos produzidos na Serra de São Mamede. Vários investidores têm escolhido este terroir para investirem porque se reconhece que a serra de Portalegre tem características únicas para a produção de vinho de muita qualidade. Ao nível do património, a cidade tem alguns monumentos de interesse, como a Sé, o Parque Natu- ral da Serra de Portalegre, Marvão, Castelo de Vide vilas únicas que reúnem características que atraem naturalmente gente pela sua cultura, gastronomia e arte no bem receber.

Jorge Pais acrescenta que não há fiscalidade específica que dê vantagem ao investimento no distrito de Portalegre. Revitalizar o centro histórico é um desafio para a autar- quia que passa pela reabilitação do edificado e, quem sabe, pela recuperação da Associação Comercial de Portalegre entidade competente para promover a união entre os comerciantes da Rua do Comércio. Quem sabe, um dia, os jovens comecem a voltar.

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