Comemoram-se este ano os 500 anos do nascimento do nosso poeta maior, Luís Vaz de Camões. Camões teve uma vida atribulada, foi várias vezes degredado, em Portugal e no estrangeiro. Esteve preso. Perdeu um olho em pelejas. Teve uma infância e juventude com acesso ao conhecimento, aproveitando a onda do Renascimento português, sob os auspícios de um tio frade, que lhe facultou o acesso aos clássicos e aos poetas italianos.
Mas a vida adulta e a velhice foram muito complicados. Foi vítima de desamores, ciúmes e invejas. Nos últimos anos, Camões deambulou pela baixa lisboeta, doente, faminto, abandonado por quase todos e viria a morrer infetado com peste negra. Em vida, pode-se dizer que a única honraria digna de registo foi o monarca imberbe D. Sebastião ter-se predisposto a ouvir declamar uma parte de “Os Lusíadas”, a obra da sua vida. Depois da sua morte, a habitual hipocrisia portuguesa elevou-o a um pedestal dourado que ele jamais teria conseguido imaginar em vida.
A Torre do Álamo, também conhecida como Torre de Camões, Torre do Álamo ou Torre de Almadafe, localiza-se precisamente sobre a linha que delimita as freguesias de Cano e de Casa Branca, no concelho de Sousel. Ambas as freguesias foram integradas no concelho de Sousel aquando da Re- forma Administrativa de Passos Manuel, em 1836.
O facto de alguns lhe chamarem a Torre de Camões tem a ver com o facto desta família ter sido proprietária de vastas e numerosas herdades no Alentejo, tendo erguido diversas torres, conhecidas como camoeiras. No vizinho concelho de Avis existe a Herdade de Camões, próxima do Maranhão.
A Torre do Álamo data de finais do Séc. XV, inícios do Séc. XVI, mas as suas fundações são mais antigas e as suas imediações estão polvilhadas de vestígios do período romano. Este monumento, bem como o aqueduto e tanque anexos, são classificados como Monumentos de Interesse Público pela Portaria n.o 350/2016, de 21 de outubro de 2016.
Sobre esta torre, escreveu Mário Saa em “As Grandes Vias da Lusitânia”: “Segue-se a Vila do Cano (…) e sua precursora, Torre do Álamo, por onde a estrada passava, na direcção de Santa Vitória do Ameixial e de Estremoz. Incrível quantidade de fragmentos de telharia romana, a par de muros velhos, se dispersa na planície da Torre do Álalmo”.
Sabemos por um documento do Arquivo Distrital de Portalegre, o “Testamento Nuncupativo com que faleceu Catarina Vieira, Moradora na Torre de Camões, Freguesia da Casa Branca, Termo desta Vila de Avis, no ano de 1735”, que a Torre do Álamo era ainda habitada em 1735.
Uma lenda que pode ter sido criada por João Falcato, autor de “Histórica Vila de Cano”, de 1951, ou por uma qualquer fonte que ele não identifica, afirma que foi na Torre do Álamo que esteve pre- so durante algum tempo Vasco Peres (ou Pires) de Camões, cúmplice de João I de Castela (na altura da Batalha dos Atoleiros) e antepassado de Luís Vaz de Camões.
Não existe uma única evidência histórica de que Vasco Pires de Camões tenha sido alcaide-mor da vila do Cano. Aqui segue resumidamente a história da família Camões, desde o fundador em Portugal até ao grande poeta Luís Vaz de Camões.
“Vasco Pires de Camões (Basco Peres de Caamaño) (nascido em 1330), proveniente da Gali- za em 1370, foi o primeiro a usar o apelido Camões (o apelido parece ter sido adulterado de Camanda para Caamaño, a seguir Camañes, depois para Camoens e, finalmente, para Camões). Foi Alcaide Mor de Alenquer e Portalegre, mas caiu em desgraça após a Batalha de Aljubarrota, por ter tomado o partido de D. Juan de Castela, tendo-lhe sido retira- das algumas propriedades. Era trovador.
Por ser de enorme interesse deixo aqui a [“Hipótese de genealogia de Luís de Camões, a partir de Vasco Pires de Camões: I – Vasco Pires de Camões. Teve de Maria (ou Mariana Tenreiro), entre outros: II – ‘João Vaz’. Teve: III – ‘Vasco Anes’. Teve: IV – João Vaz de Camões. Teve de Inez Gomes da Silva: V – Antão Vaz de Camões. Teve de Guiomar Vaz, entre outros: VI – Simão Vaz de Camões. Teve de Ana de Macedo: VII – Luiz Vaz de Camões”].
Segundo Mário Saa, o grande poeta Luís Vaz de Camões seria trineto de Vasco Pires de Camões, mas esta hipótese é hoje considerada pouco credível.
Ora, por falar em Luís Vaz de Camões, o mesmo João Falcato cria ou propaga outra lenda – a de que Camões teria escrito parte de “Os Lusíadas” na Torre do Álamo. De facto, de acordo com Mário Saa, Luís Vaz de Camões, quando jovem, esteve uma temporada em casa de familiares na zona do Maranhão, Avis, e um escravo da família, de nome António, terá causado desacatos na vila do Cano, no ano de 1548. Teophilo Braga diz que foi precisamente este escravo, rebatizado de Jau, que teria acompanhado Camões até ao fim da sua vida.
Segundo Álvaro Júlio da Costa Pimpão, Camões não deveria ter começado a escrever “Os Lusíadas” antes de 1554, com cerca de 30 anos de idade. Ora, não existe a mínima prova de que Camões tenha estado no Alentejo nessa data ou depois dessa data, antes andando por África e pelo oriente.
O que não invalida que o facto de eventualmente ter passado pelo Cano ou ter tido conhecimento da existência desta antiga vila, nomeadamente, por causa dos referidos desacatos causados pelo escravo António, o Cano, ou esta zona em redor, não tenha de alguma forma servido de inspiração a alguns dos versos do seu longo e brilhante poema épico ou a alguns dos seus poemas líricos.
* Historiador