Luís de Matos, uma escrita que resgata o que o tempo quer apagar

Investigador e recoletor de memórias e tradições, Luís de Matos regressa às origens com o novo livro “Por Caminhos da Memória – Contos, Lendas e Narrativas”, uma obra que resgata o património imaterial do concelho do Alandroal através de histórias que cruzam o real e o lendário.

Entre memórias de infância, tradições populares, episódios quase esquecidos e personagens marcantes, o autor constrói um retrato afetivo e íntimo da sua terra natal, com um olhar poético e atento ao que une as pessoas ao seu território.

Motivado pela urgência de preservar o que ainda vive na voz dos mais velhos, o autor mergulha num tempo em que a pesca, o contrabando na zona da raia – nasceu em Terena (Alandroal) há 80 anos – ou a Guerra Civil de Espanha se confundem com o quotidiano. Mais do que um exercício de evocação, este livro é um reencontro com a infância, com os lugares e com as raízes – e um gesto de gratidão para com a terra e as gentes que moldaram a sua identidade.

Que encontramos neste livro?

Histórias, pedaços de vida e de identidade. São contos infantis, lendas, memórias e episódios reais, ou quase, que atravessam o tempo e os lugares do concelho do Alandroal. Fala-se da natureza, da pesca nos rios, do contrabando na raia, das tradições populares e até da Guerra Civil de Espanha – tudo isso com um olhar sensível, muitas vezes poético, e sempre atento ao que nos liga à terra onde nascemos e à nossa história comum.

Qual a tua motivação para a escrita?

A principal motivação foi o desejo de preservar memórias, antes que se percam. E depois, a minha idade também tem o seu peso. Há um património imaterial riquíssimo que vive na voz das pessoas mais velhas, nas paisagens que se vão transformando, nas histórias que não vêm nos manuais. Escrevê-las é uma forma de lhes dar futuro e alma. E, ao mesmo tempo, é um gesto de gratidão para com a terra onde nasci. Embora te- nha saído de lá quando era muito novo, nunca esqueci a minha terra e as pessoas que me ensinaram a escutar. Tenho muita consideração por todas elas.

É também um reencontro com pessoas e memórias?

Sem dúvida. Este livro foi um mergulho emocional. Muitas das histórias nasceram de conversas que tive ao longo dos anos, de lugares que voltei a visitar e a conviver com amigos, de imagens que me voltaram à memória. É também um reencontro comigo mesmo, com o meu passado, com a infância e com a ruralidade de que sou feito. Em muitos momentos, senti-me como um viajante no tempo, sentado à sombra de uma azinheira ou de um moinho a ouvir contar e a escutar as águas dos rios e o barbatanar do barbo a caminho da caldeta.

Algum episódio mais curioso ou que te tenha surpreendido?

Há vários, mas talvez um dos mais curiosos tenha sido descobrir como o contrabando, que muitos viam como crime, era também sinónimo de sobrevivência e solidariedade. As pessoas atravessavam a raia com muito engenho e coragem, e havia uma rede silenciosa de apoio dos dois lados da fronteira. Outro episódio marcante foi ouvir relatos da Guerra Civil de Espanha como se tivesse ocorrido ontem – com doses de medo, emoção e detalhes incríveis, que não vêm nos livros de História. Um outro que me deu muito prazer, foi o facto de pesquisar onde, como e quando foi construído um moinho no Guadiana e as dificuldades que essa família passou para concretizar esse sonho. Foi uma experiência incrível e muito emotiva. Essa família era da aldeia de Hortinhas, onde ainda residem os seus familiares diretos. E já agora, também, um outro, em que o meu tetravô materno foi o fundador da aldeia de Montes Juntos, há 200 anos (1824), segundo dados que me foram agradavelmente fornecidos pelo meu amigo Manuel Correia, natural de Ferreira de Capelins.

No espaço de um ano é o segun- do livro que publicas sobre o concelho de Alandroal. Porque esta necessidade de registo?

A urgência vem do risco do esquecimento. O mundo muda muito depressa, e há uma geração inteira cujas vivências não foram fixadas em papel. Sinto que temos o dever de registar aquilo que ainda nos pode ser contado na primeira pes- soa. Além disso, escrever sobre o concelho do Alandroal é uma forma de valorizar o que temos, de mostrar que também aqui há histórias com universalidade, dignas de serem lidas e lembradas.

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