Tic-tac, tic-tac, o relógio não para, faltam pouco mais de quatro meses para as eleições autárquicas, num momento que poderá ser de inflexão da democracia portuguesa, com os populistas de extrema-direita a che- garem ao poder nalguns municípios.
As últimas legislativas confirmaram um abalo que vinha dando sinais já pouco subtis: o crescimento do Chega em concelhos alentejanos – foi o partido mais votado nos distritos de Portalegre e de Beja, e venceu as eleições em seis concelhos do distrito de Évora, incluindo Estremoz.
É neste contexto que as próximas eleições autárquicas ganham uma importância acrescida. Porque não estarão apenas em causa orçamentos municipais, reabilitações urbanas, planos de mobilidade e mais ou menos festas e festinhas. Estará em causa a própria natureza do diálogo democrático a nível local. Estará em causa o tipo de liderança que queremos nos nossos concelhos: construtiva ou incendiária, comprometida com o bem comum ou refém do ruído e da desinformação.
O populismo alimenta-se da ausência. Da ausência de soluções visíveis, da incapacidade de diálogo da ausência de palavra clara em momentos difíceis. Quando os eleitos se encerram em gabinetes, quando governam sem explicar, quando tratam os opositores como inimigos ou os munícipes como incómodos, abrem espaço a quem só tem slogans e indignação fácil para oferecer. A democracia, nas autarquias como no país, não se esgota na conquista do poder: vive do exercício do diálogo, da capacidade de ouvir e integrar diferentes vozes, e do compromisso com a verdade.
Sempre me incomodou a tendência (que não é de hoje, nem se esgota no Poder Local) para o exercício de presidências cada vez mais personalistas, com pouca abertura ao contraditório e a uma lógica de governação partilhada. Assim a uma espécie de poder unipessoal, quase majestático, que tudo decide, reduzindo a oposição à irrelevância, marginalizando assembleias municipais e esvaziando os espaços de participação cidadã. Este modelo não só empobrece a democracia local, como alimenta um clima de ressentimento que acaba por ser explorado pelos populismos.
A incapacidade de dialogar, de reconhecer legitimidade às vozes divergentes e de incluir os cidadãos nas decisões que os afetam, tem um custo político elevado — sobretudo junto das gerações mais novas. Os jovens, já de si mais distantes dos circuitos tradicionais da política, não se revêem num poder que não os escuta, que comunica mal (vejam-se os boletins municipais!) e que perpetua lógicas hierárquicas herdadas de um tempo em que governar era mandar.
A resposta à vaga populista que alastra pela região não se fará com alarmismo, nem com condescendência. Far-se-á com política séria, transparente, próxima das pessoas. Daí que as próximas autárquicas sejam um teste importante. Um teste à capacidade dos partidos de se renovarem, de apresentarem propostas mobilizadoras, de escutarem o território sem cair em estratégias vazias. Também um teste ao eleitorado, chamado a discernir entre alternativas reais e fantasmas de solução fácil. Falta pouco mais de quatro meses. Tic-tac, tic-tac.