Luís Godinho: “Contra a grunhice”

A opinião de Luís Godinho, jornalista e diretor da Alentejo Ilustrado

O vírus da bandalheira, isto é, a praxis política da grunhice protagonizada pela extrema-direita, esse misto de barrasquice com conversa de tasca (sem qualquer desprimor para as tasca propriamente ditas), tem vindo a tornar-se norma no debate político-partidário. É confrangedor ouvir a gritaria, a falta de senso, os insultos, a argumentação baseada no sectarismo em detrimento das convicções, já que para existir convicção é preciso ler, estudar, refletir e, claro, para essa gentalha sem letras nem chá, não há princípios. Ou, havendo princípios, estes podem sempre mudar de acordo com as conveniências: “Se não gostam deles, tenho outros”, desabafou Marx, Groucho Marx.

Enfim, o vírus tem vindo a alastrar. Talvez fosse inevitável que a berraria dos programas televisivos, os de bola, os de coscuvilhice e os de bizarrias, transmitidos em horário nobre, saltasse para o debate político-partidário, à semelhança do que já sucede noutros países. Lá está, talvez isto da vida seja mesmo “uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada significa”, como terá escrito Shakespeare, mas a recusa em entrar no lamaçal é sempre uma boa opção. Higiénica, desde logo. Talvez pedagógica, se à investida da ignorância e do populismo se responder com sensatez e urbanidade. “O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete”, lembrou Aristóteles.

Sócrates, o grego, que nada escreveu, mas cujos pensamentos nos chegaram pelos Diálogos, de Platão, via a democracia com um certo ceticismo, acreditando que o governo poderia ser dominado por pessoas sem competência ou conhecimento, pois a maioria nem sempre está apta para tomar as melhores decisões. Estava obviamente errado. O debate político e mediático está dominado precisamente por gente com competência e conhecimento para prosseguir o caminho de destruição dos pilares da democracia, de agravamento das desigualdades sociais, de concentração do poder. Já lá vai o tempo em que os senhores do dinheiro tentavam comprar os decisores políticos; hoje a cadeira do poder é mesmo ocupada pelos homens da mala.

O algoritmo tudo influencia e tudo manipula, a gritaria tudo relativiza e tudo “normaliza”, mesmo o mais abominável como o racismo. O momento Montenegro, aquele em que apelidou de “extremistas” tanto um bando de trogloditas racistas como de manifestantes pela tolerância e pela paz que se cruzaram nas ruas de Lisboa, poderá apenas ter sido um deslize, não o início da cedência à extrema-direita. Será sempre um vislumbre, perigoso, do colapso da direita tradicional perante o neo fascismo. À semelhança, aliás, do que acontece em diversos países europeus ou nessa América hoje entregue a um louco que conseguiu vergar a decência.

Para tomar as melhores decisões, eles sabem-no bem, a maioria tem de estar informada, com base na ciência e no conhecimento, na tolerância e na cultura, não nas perceções, na ignorância e no ódio. Eles sabem-no bem. E é por isso, porque com papas e bolos se enganam os tolos, que a gritaria tomou conta do debate político. A democracia sobreviverá, voltando a Aristóteles, se os interesses da maioria estiverem alinhados com o bem comum. Cabe-nos fazer por isso, no nosso bairro, na nossa cidade, no nosso país.

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