Há uma diferença abissal entre aquilo que um jornal é e o que deveria ser. Quando Mário Soares e os pais fundadores da democracia portuguesa (entre os quais Álvaro Cunhal, Francisco Sá Carneiro ou Diogo Freitas do Amaral, para citar apenas alguns) inscreveram a liberdade de imprensa na Constituição da República, não o fizeram para que os jornais lhe andassem a lamber as botas.
A liberdade de imprensa serve precisamente para o contrário. Sem plena liberdade de imprensa não existe democracia, pois a imprensa tem por missão, ou deveria ter, o escrutínio público das decisões políticas, tanto a nível nacional como regional ou local.
Este foi um dos grandes legados de Mário Soares, cujo centenário do nascimento agora se assinala. E é necessário lembrá-lo no momento em que o “Brados do Alentejo” entra numa nova fase da sua vida, com uma edição integralmente a cores, continuando a chegar a mais de um milhar de assinantes por todo o país e, agora, presente em todos os pontos de venda de nove concelhos: Estremoz, Alandroal, Arraiolos, Borba, Fronteira, Monforte, Redondo, Sousel e Vila Viçosa.
É uma nova fase na vida deste jornal, mantendo os valores de sempre, de prossecução de um jornalismo livre e de qualidade, assente na velha máxima inscrita por Marques Crespo e seus pares na primeira edição, em 1931: “Alentejo – conhece-te e dá-te a conhecer”.
Quando olhou para o jornal, na Adega do Isaías, Mário Soares exclamou: “Olha o Brados! Republicano, republicano”. Sim, mesmo fundado em plena ditadura e com longos anos de censura à perna, este foi desde sempre um jornal de referência na região e no país. E é esse legado que nos cumpre honrar.
Só num país tão peculiar como o nosso é possível admitir a existência de jornais (em versão papel ou digital) e rádios sem jornalistas, como muitos que por aí andam. É inadmissível que um meio de comunicação social, jornal ou rádio, não seja editorialmente dirigido por um jornalista com carteira profissional. Não com carteira de equiparado, que isso é outra coisa. Se ninguém imagina um hospital sem médicos, uma escola sem professores, ou uma esquadra sem polícias, porque carga de água se poderá admitir a existência de jornais sem jornalistas?
Como sabem, aqui no Brados, desde janeiro de 2022, o responsável editorial sou eu, titular de carteira profissional desde 1987 e com passagem por órgãos de comunicação como a SIC ou o “velho” Diário de Notícias, para citar apenas alguns. Aqui procuramos fazer um jornalismo independente e plural de acordo com as melhores práticas da profissão, também éticas naturalmente. Um jornalismo onde não se confundem notícias com preferências partidárias ou clubísticas.
Numa altura em que se pré-anunciam apoios estatais aos media, será importante não colocar tudo no mesmo saco, fazendo equivaler o que não é equivalente, tratando por igual quem faz jornalismo e quem escreve umas coisas para dizer bem do chefe. Essa seria uma belíssimaforma de honrar a memória de Mário Soares. Claro que sucederá o contrário.