Mais de 70% dos alentejanos não sentem melhorias nos seus municípios

Um novo estudo do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa revela que o Alentejo é a região do país onde os cidadãos manifestam maior insatisfação com a evolução das condições de vida no seu município, ao mesmo tempo que defendem, como a maioria dos portugueses, uma nova discussão sobre a regionalização e maior transferência de competências para o poder local. Luís Godinho (texto)

Segundo o relatório “O que pensam os portugueses 2025: Descentralização, Desconcentração e Regionalização”, da autoria de Pedro Adão e Silva e Isabel Flores, apenas 28% dos inquiridos no Alentejo consideram que o seu município melhorou na última década, o valor mais baixo entre todas as regiões do Continente. “É no Alentejo que a percentagem de avaliações positivas é mais baixa”, refere o estudo. É mais baixa do que a média nacional (39%) e muito mais baixa que nas regiões Norte e Centro (44%).

Esta perceção negativa por parte dos alentejanos é acompanhada por níveis de satisfação relativamente baixos em domínios cruciais da política pública. No que diz respeito ao turismo, por exemplo, o Alentejo surge, a par de Lisboa, como uma das regiões com níveis mais baixos de satisfação. Também na segurança, a região apresenta uma perceção menos favorável face a outras zonas do país.

“O turismo tem elevados níveis de satisfação no Algarve, sendo Lisboa e Alentejo as regiões com níveis mais baixos de satisfação”, concretiza o estudo, sublinhando que o Sul, e em particular o Alentejo, “tem perceções de menor satisfação com a segurança”.

Apesar do diagnóstico crítico, os alentejanos mostram-se alinhados com a tendência nacional favorável à descentralização e regionalização. Segundo os autores do trabalho, 53% dos inquiridos no Alentejo consideram que se devem transferir mais competências para as regiões e autarquias, em linha com a média nacional, e só superado pela região Norte (58%). Este apoio à descentralização reflete-se ainda na perceção de que as autarquias estão mais bem preparadas do que a administração central para implementar políticas públicas. A nível nacional, essa visão é partilhada por 42% dos inquiridos, menos um ponto percentual que no Alentejo.

O estudo assinala que “a larga maioria dos inquiridos gostaria de ver reaberta a discussão sobre regionalização”, com 71% a defenderem que o tema volte à agenda política, contra apenas 19% que entendem que a questão não deve voltar a ser discutida. A preferência é clara quanto à forma de decisão: 75% consideram que a regionalização deve ser decidida através da convocação de um novo referendo, e só 9% defendem que bastaria a aprovação de uma lei para resolver o assunto.

Esta vontade é transversal a todas as regiões e posicionamentos ideológicos, o que reforça a legitimidade do instrumento referendário. “Mesmo entre os que acham que o tema não deve ser discutido, 71% defendem que, a sê-lo, deve passar por um referendo”, apontam os autores do trabalho.

O relatório também questiona os portugueses sobre a forma como devem ser escolhidos os presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), órgãos de gestão desconcentrada do Estado. A maioria dos inquiridos (57%) defende a eleição direta por sufrágio universal dos presidentes regionais, preferindo esta solução à escolha pelos autarcas (13%), por concurso público (16%) ou por nomeação governamental (3%).

Apesar do apoio à descentralização, o estudo revela um paradoxo. As áreas onde mais se avançou na transferência de competências – como saúde e educação – são precisamente aquelas onde os cidadãos ainda preferem que as decisões permaneçam no nível central. Em média, os portugueses classificam com 6,1 (numa escala de 0 a 10) a adequação da centralização na educação, com 6,0 na segurança e com 5,9 na saúde, valores acima do ponto médio. Abaixo ficam a habitação e os transportes públicos.

Outro dado relevante é o desconhecimento generalizado do processo de descentralização, com 62% dos inquiridos a afirmarem ter pouco ou nenhum conhecimento sobre a transferência de poderes para as autarquias e Comunidades Intermunicipais. Apenas 38% dizem ter algum conhecimento sobre o processo.

No que diz respeito à confiança nas instituições, o poder local continua a ser avaliado de forma positiva. As autarquias e as CCDR obtêm 5,5 em média (numa escala de 0 a 10), ligeiramente acima da média e bem acima do Governo (4,5) e da Assembleia da República (4,4). A confiança é maior nas instituições de maior proximidade, como câmaras municipais e juntas de freguesia.

Essa proximidade traduz-se também na perceção de preocupação com os cidadãos. Enquanto 60% dos inquiridos consideram que a sua câmara municipal se preocupa com as pessoas, apenas 48% dizem o mesmo das regiões administrativas e 46% do Governo. “Quanto maior a proximidade do nível de governo mais os inquiridos reconhecem uma preocupação com os cidadãos”, sublinham Pedro Adão e Silva e Isabel Flores.

“Resulta claro que quanto maior a proximidade do nível de governo mais os inquiridos reconhecem uma preocupação com os cidadãos. Enquanto as instâncias do poder local – juntas de freguesia e câmaras municipais – surgem respetivamente com 63% e 60%, o valor para as regiões administrativas (CCDR) é bastante inferior (48%), aproximando- se do da administração central (46%). É de sublinhar que em relação às Regiões administrativas (CCDR) existe um grande número de inquiridos que dizem não saber (17%)”, sintetizam.

O estudo revela ainda que a avaliação da situação global piora quanto maior for a escala da análise. Apenas 27% dos portugueses acham que a situação no seu município piorou nos últimos dez anos, mas esse valor sobe para 50% quando a pergunta é sobre Portugal, 59% sobre a Europa e 70% sobre o mundo.

Por fim, o relatório do Iscte chama a atenção para a necessidade de melhorar a comunicação institucional sobre os processos em curso e de envolver mais ativamente os cidadãos.

A partir de uma amostra representativa de 3.059 entrevistas realizadas entre fevereiro e abril de 2025, este estudo oferece um retrato atualizado do que pensam os portugueses sobre o poder local, a descentralização e a eventual reorganização territorial. E no Alentejo, em particular, mostra que o desejo de mudança é claro – mas exige resposta política, clareza institucional e maior envolvimento cívico.

“Os portugueses fazem uma avaliação muito positiva do poder local e consideram que o seu município melhorou na última década, enquanto avaliam pior o desenvolvimento do país no mesmo período. É, porventura, essa inclinação municipalista que ajuda a explicar a concordância com a reabertura da discussão sobre regionalização”, resume Pedro Adão e Silva.

Referendo à esquerda e à direita

Além de um “interesse muito expressivo em voltar a discutir a regionalização” – apenas um em cada cinco portugueses acha que o tema não deve voltar à agenda -, o estudo do Iscte revela que a percentagem de inquiridos que gostariam de ver esta decisão tomada por referendo se distribui “de forma muito semelhante por toda a escala de posicionamento ideológico, ou seja, da esquerda à direita, cerca de 75% dos respondentes em cada grupo ideológico é favorável a um referendo à regionalização”.

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