No Alentejo, uma das regiões mais pobres do país, até à década de 70 do século XX viveram-se tempos muito difíceis, com muita fome, muita pobreza, e as pessoas, sobretudo as que trabalhavam no campo, a serem vistas como seres infra-humanos e tratadas como coisas descartáveis.
As crianças acompanhavam os seus pais no trabalho de sol a sol, pois a escola era para muito poucos. Mas, mesmo nessas condições tão difíceis, a terra alentejana sempre foi um lugar de solidariedade e de dignidade, uma terra de luta: lutas heroicas em que os que viviam na miséria reclamavam melhores condições de vida, por exemplo, o direito a oito horas de trabalho diário.
Nos anos imediatamente a seguir à revolução do 25 de Abril de 74, uma vida nova surgiu nos campos e nas cidades alentejanas. Quer as medidas do Governo central, quer as do poder local, contribuíram para melhorias significativas na vida de todas as pessoas, a todos os níveis, da educação, à saúde, aos direitos do trabalho, às condições de habitação, a diminuição do analfabetismo, da taxa de mortalidade infantil e tantas outras situações.
Que aconteceu, entretanto? O que pode explicar estarmos onde estamos? Antes de mais, deve salientar-se o progressivo esquecimento desta região pelos sucessivos governos (alguns de maioria absoluta), nas últimas décadas, o que foi gerando enorme insatisfação, ao mesmo tempo que se instalavam interesses e privilégios de alguns grupos. A pobreza voltou a aumentar e aspessoas, sobretudo os jovens qualificados, voltaram a ter que emigrar.
O poder local ficou deslumbrado com o turismo para os ricos e com a sua perpetuação no poder, esquecendo tudo o resto, ou seja, o que é essencial para a vida das comunidades e o que é básico para as pessoas. Na agricultura, voltou o trabalho quase escravo, agora feito pelos imigrantes asiáticos e de outras proveniências. Lentamente, a revolta, a raiva, o ressentimento, o ódio, a inveja, foram crescendo… Muitas vezes do pobre e direcionado para o vizinho do lado, ainda mais pobre.
E, aqui, como no resto do país, desvalorizou-se a educação e criou-se a ilusão que a digitalização era o grande milagre do progresso. Assim, pouco a pouco, as novas gerações deixaram de saber ler/interpretar, de pensar por si e, finalmente, a cereja no topo do bolo: as famílias pensaram que dando um telemóvel a cada criança estavam a contribuir para a sua felicidade…
Resultado: uma geração de TikTok que não é capaz de escrever, de discutir uma ideia, de ouvir um argumento, de saber a diferença entre uma opinião e uma teoria científica, mas que absorve todas as falsas notícias, todos os conteúdos de ‘influencers’ que circulam nessa e noutras redes sociais.
Na Educação, desvalorizou-se o ensino das Humanidades, particularmente da História e, nas famílias, os avós não conseguiram passar o seu testemunho de vida. Os jovens alentejanos, na sua maioria, desconhecem a história dos seus avós e bisavós, a História desta comunidade, dos seus sofrimentos e lutas.
Por estas e muitas outras razões, aqui chegámos, aos dias de luto. Luto pelo que perdemos, parte da nossa identidade, luto pela memória e pela História. Temos muitos motivos para a tristeza, mas também temos muitos outros para voltar a construir os caminhos da dignidade epara ressignificar o orgulho de sermos alentejanos.