Marta Cortegano (prémio Quercus). Ousar fazer diferente com a agroecologia

Marta Cortegano fala-nos do trabalho que lhe valeu o Prémio Quercus 2023, pelos projetos colaborativos de regeneração de solo, agroecologia e novas oportunidades para as populações rurais em territórios semiáridos. Júlia Serrão (texto) e Gonçalo Figueiredo (fotografia)

Marta Cortegano viu o seu trabalho reconhecido com surpresa. Primeiro em forma de nomeação. Depois na obtenção de um prémio sustentado “numa avaliação de carreira, mas que teve muito em conta o trabalho que vem sendo desenvolvido no Baixo Alentejo” no âmbito da regeneração de solos e agroecologia.

“Foi inesperado, mas simpático e, obviamente, fiquei comovida”, observa, referindo que tratando-se de uma distinção individual, o Prémio Quercus 2023 tem pouco de pessoal, pois “são os projetos colaborativos em que participam várias instituições” que foram considerados inspiradores.

Procura construir pontes, definir os problemas do território, e ir à procura de soluções, com a certeza de que não dependem de uma só pessoa ou ponto de vista, “mas de um trabalho colaborativo entre entidades, autoridades locais, sociedade civil, investigação, comunidades locais, e agricultores”.

Marta Cortegano tende a pensar soluções diferentes para problemas comuns, ousando “sonhar e experimentar fazer diferente”. Diz que não é fácil, pois as soluções não são sempre simples e diretas. “Também traz mais criticismo”. O júri deu relevância aos projetos com estas particularidades, que compreendem o trabalho realizado na Associação Terra Sintrópica.

A iniciativa que promove a transição agroecológica e a regeneração do solo pelo uso de ecossistemas pauta-se por “trazer ideias diferentes, envolver vários atores, pôr as mãos na terra e fazer também por si”. Ensaiar, mostrar na prática como é possível fazer agricultura num meio semiárido, sonhar um sistema local diferente, e não estar depende de alimentos importados de milhares de quilómetros sem qualidade para a saúde e a preços elevados são as linhas de força do projeto, com sede em Mértola.

As “Pastagens Regenerativas” da ESDIME – Agência para o Desenvolvimento Local no Alentejo Sudoeste, de que é coordenadora. Marta Cortegano dá conta que o projeto começou com três agricultores (em Mértola, Castro Verde e Ourique) a implementar três testes pilotos, e terminou com muitos interessados, sendo 20 a 30 agricultores “muito regulares em todas as ações de formação, visitação” e outras.

Muitos destes já estão a mudar as práticas e a utilizar o maneio holístico, o que implica “uma mudança de paradigma” e mentalidade, para além de capacidade de investimento. Comenta que a maior parte dos agricultores tem receio de fazer as mudanças “se não forem acompanhadas por políticas que, de alguma forma, ponham a mão por baixo do risco que possam ter”.

É mais uma iniciativa inspiradora, com “uma grande equipa” que juntou consultores e associações, e onde os agricultores assumiram muitas vezes também o papel de consultores, ajudando-se entre si e trabalhando em rede. Teve outras particularidades interessantes, como juntar dois agricultores na compra de um rebanho de cabras para fazer o maneio em conjunto.

“As pessoas criaram pontes e redes”, e no grupo de WhatsApp, “académicos, investigadores e agricultores entreajudaram-se” em teoria e práticas. Marta Cortegano aponta a colaboração como um dos melhores resultados. Outra particularidade do projeto foi a representação feminina, tendo “40 por cento de mulheres que geram a terra”. O desejo de todos é que possa haver financiamento para continuar, porque “a base está feita”.

Licenciada em Engenharia Florestal, mestre em Gestão e Conservação dos Recursos Naturais, com pós-graduação em Ciências da Sustentabilidade – Recursos, Alimentação e Sociedade, Marta Cortegano nasceu em Sintra, filha de pais baixo-alentejanos, nunca escondendo a vontade de se mudar para a região, o que sucedeu há quase duas década. Outro projeto em que está aposta chama-se “TerraAlimenta – Transição para um Sistema Alimentar Territorializado” e integra as temáticas da alimentação sustentável e o combate ao desperdício alimentar, visando a promoção “de uma alimentação saudável e tendencialmente de base local”.

A ideia é “criar uma bacia alimentar regional baseada nas cantinas de restauração coletiva”, fornecendo aos refeitórios escolares e sociais uma alimentação de qualidade e sustentável, e incentivando a produção local “Muitos pequenos produtores”, constata, “não ousam produzir mais porque têm medo das dificuldades de escoamento, das grandes superfícies que os esmagam”.

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